Esquerda garante estabilidade, mesmo que alguns não gostem do Programa

Partidos que apoiam o Governo foram a Belém afirmar que a maioria não sairá beliscada do debate sobre o Programa de Estabilidade. BE, Verdes e principalmente o PCP fizeram mira a Bruxelas.

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Carlos César à saída de Belém Nuno Ferreira Santos
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Nuno Ferreira Santos

Quando Carlos César, líder parlamentar e presidente do PS, saiu da última audição desta terça-feira com o Presidente da República, já qualquer sombra remota de crise política se tinha desvanecido. Mesmo sabendo que não será votado o Programa de Estabilidade que é debatido nesta quarta-feira no Parlamento, o tom carregado das palavras do líder comunista, ao final da manhã em Belém, soara como uma ameaça a prazo sobre a estabilidade política, ainda na véspera afirmada por Marcelo Rebelo de Sousa.

“O PCP não apoia esse Programa de Estabilidade”, afirmara Jerónimo de Sousa, recusando-se dizer se votaria a favor ou contra o documento: o programa não será votado, “logo, a questão está resolvida”.

Horas depois, Carlos César rejeitou que a posição do PCP sobre o Programa de Estabilidade pusesse em causa a maioria de esquerda. “Uma das conquistas destes últimos meses é a vitória e consolidação de um novo conceito de estabilidade política. A maioria que apoia este Governo é uma maioria sólida e está em consonância com os acordos que nós firmámos”, afirmou o socialista, à saída da primeira audiência formal com o Presidente da República.

Para César, os acordos assinados entre o PS e os partidos à esquerda (BE, PCP e PEV) “previam não só as convergências, como as notas de divergência”. “As convergências estão a ser executadas e as divergências estão a ser cumpridas”, desdramatizou.

Nem o projecto de resolução apresentado pelo CDS sobre o documento – que apenas defende que o Governo devia submetê-lo a votação – pode beliscar esses apoios: “Nas votações que tiverem lugar na próxima sexta-feira [e não nesta quarta-feira, como pretendiam os centristas], a maioria parlamentar vai pronunciar-se”, afirmou com segurança.

Foi também este o tom das declarações de Catarina Martins, porta-voz do Bloco de Esquerda, e de Heloísa Apolónia, deputada d’Os Verdes. “Enquanto o Governo estiver a recuperar o rendimento do trabalho e a defender o Estado social, aqui está o Bloco de Esquerda”, afirmou Catarina Martins à saída de Belém. “Os Verdes querem ser parte da solução, não o problema; querem contribuir para esse feito extraordinário” de parar a “política de austeridade” e “reconquistar o poder de compra”, dissera Heloísa Apolónia horas antes.

Os três partidos com os quais o PS firmou acordos de incidência parlamentar apontaram Bruxelas como a causa de todas as divergências. Para o PCP, o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas, que serão debatidos em conjunto, “são filhos do semestre europeu, do Tratado Orçamental, que contém obstáculos ao investimento”. “Se é criticado o aumento do Salário Mínimo Nacional, como é possível termos perspectiva de maior justiça social”, questionou Jerónimo de Sousa.

Olhando para o Programa de Estabilidade e para as regras europeias, o PCP vê uma “crescente contradição” entre o projecto de desenvolvimento que os comunistas apoiam e os “constrangimentos europeus”. Não voltou a falar da renegociação da dívida, muito menos da saída do euro, mas repetiu em tom pessimista: “Os constrangimentos têm de ser resolvidos, senão sabemos qual vai ser o resultado. E infelizmente a vida dará razão ao PCP, mais uma vez”.

No mesmo sentido, mas num tom bem mais suave, Catarina Martins também apontou ao coração da União Europeia. “O Bloco de Esquerda contesta o semestre europeu”, um mecanismo que disse ter sido criado em 2010 “para impor aos países programas de austeridade de forma a que fosse a despesa social e os rendimentos do trabalho a pagar a crise financeira”. “Serve para fazer chantagem sobre os países”, acrescentou.

Por contraste, lembrou também que o último Programa de Estabilidade discutido no país – há um ano, o último do Governo PSD/CDS – “impunha um corte de 600 milhões por ano na despesa da Segurança Social”. E afirmou que o BE “não discute as metas porque nunca ninguém as cumpriu”. “Ao Bloco de Esquerda interessa discutir políticas concretas”, acrescentou Catarina Martins, frisando que as propostas apresentadas não contrariam o acordo assinado com o PS. “Há uma maioria parlamentar clara, não há razão nenhuma para a pôr em causa”, concluiu.

Considerando que o Governo está a cumprir os acordos com os partidos da esquerda e, por isso, “não pensa em cortes salariais nem aumento de impostos”, também a deputada d’Os Verdes Heloísa Apolónia não deixou, no entanto, de relevar a preocupação do partido com os ditames de Bruxelas. “A União Europeia está a servir como travão à dinâmica da vida política”, disse.

E não escondeu a posição do partido, sempre parceiro de coligação com o PCP, na defesa da renegociação da dívida e na oposição ao Tratado Orçamental. “Os Verdes são um projecto sério e de palavra, somos leais, mas as nossas preocupações não deixamos de as dizer, isso também é lealdade”, reforçou.

Consensos com todos

À saída da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, o PS quis ainda afirmar que está a levar a sério os apelos presidenciais para consensos nacionais, para além da actual maioria parlamentar. “Não vejo razão para que não haja uma convergência muito forte, por exemplo, nas áreas da transparência”, afirmou Carlos César, referindo-se aos projectos em debate no Parlamento sobre incompatibilidades dos políticos, mas também, de forma mais genérica, à saúde e educação. “No plano social, numa abordagem mais cuidada de áreas como a educação ou como a saúde, em que, apesar de divergências mais ocasionais ou estruturais, há sempre áreas de consenso e concordância que importa identificar", precisou. E acrescentou outros: "No domínio da política económica, urgência da recapitalização das nossas empresas, no domínio da política externa, no enquadramento e objectivos estratégicos da CPLP, ou em relação a questões no plano europeu", enumerou.

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