Uma história “vagamente inspirada na de Shakespeare”, já que o dramaturgo “não se safaria com escrever uma coisa destas hoje em dia”. A peça A Fera Amansada (Taming of the Shrew, no original), produção da companhia Jangada Teatro, de Lousada, é uma subversão da homónima peça shakespeariana, em que não se poupam críticas ao próprio dramaturgo que morreu faz 400 anos neste de 23 de Abril.

“A culpa é de Shakespeare, que nunca me deu uma mulher”. “A culpa é de Shakespeare, que nunca me deu nome, só sei que sou um pedante”.

A história de Shakespeare é “profundamente misógina”, diz John Mowat, o encenador desta A Fera Amansada, e os que já estiverem familiarizados com a obra vão notar diferenças óbvias. O enredo que ocupa o palco do Auditório Municipal de Lousada (este sábado, 23) é a história secundária da peça original, sobre a bela e dócil Bianca e os seus pretendentes e respectivas artimanhas. Mas a feroz Catarina, a verdadeira protagonista, é absolutamente subvertida – se na comédia original ela é domada por um marido violento, a Jangada Teatro mantém-na forte e independente, a par do homem com quem decide casar. E no fim, com Bianca casada e Catarina sempre selvagem, quem se trama é o Grémio, o vizinho velho, rico e indesejável. “Ao Grémio o que é do Grémio” – e os lousadenses perceberão a piada.

A Fera Amansada é, acima de tudo, uma demonstração inequívoca do talento dos actores em palco. Uma obra de pouco mais de uma hora, com cerca de 20 personagens em palco, interpretadas por três actores – "poderá parecer confuso, e é", assegura John Mowat.

Ninguém diria que um clássico do teatro poderia ter interlúdios musicais com gospel, pop, canto lírico e até uma interpretação de Julio Iglesias…

Com chicotes, palmadas no rabo e leituras de manuais de instruções, este A Fera Amansada é uma peça de teatro feroz e próxima do surreal. 

Texto editado por Sérgio C. Andrade