O Estado Islâmico matou-lhe a mulher, Antoine recusa "ódio, raiva e vingança"

Hélène morreu nos atentados de Paris em Novembro. O jornalista Antoine Leiris escreveu o diário dos 12 dias após a sua morte, agora publicado em Portugal.

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Miguel Manso

Antoine Leiris recebeu a confirmação de que a mulher, Hélène Muyal, tinha sido uma das 129 vítimas dos atentados em Paris a 13 de Novembro, no dia seguinte, depois de procurá-la freneticamente em todos os hospitais. Três dias dias depois, já viúvo, com um filho – agora com 22 meses, escreveu uma carta aberta ao Estado Islâmico que se tornou viral nas redes sociais. Depois escreveu Não Terão O Meu Ódio, o livro, agora lançado em edição portuguesa, onde faz um relato dos 12 dias após a morte da mulher.

“Tive esse sentimento [o ódio] em mim. Mas o ódio, a raiva e a vingança são instintos e eu recuso que sejam os instintos a conduzir as minhas acções”, diz ao PÚBLICO com uma postura reservada, fria, no seu quarto de hotel no centro de Lisboa. É uma decisão consciente? “Sim. Podes não esquecer mas podes controlar o instinto, roubar-lhe o poder”, responde.

Hélène Muyal tinha 35 anos, era maquilhadora e cabeleireira. Estava no concerto da banda Eagles of Death Metal no Bataclan com um amigo. Leiris estava em casa a ver televisão, com o filho a dormir no quarto ao lado, e ligou-lhes insistentemente quando viu passar, em rodapé, a notícia do atentado mas Hélène nunca retribuiu a chamada.

Nos 17 capítulos do livro Não Terão O Meu Ódio (traduzido em 18 línguas e editado em Portugal pela Objectiva) conta como esperou pela chamada que confirmou a morte da mulher; como contou ao filho de 17 meses, Melvil, que a mãe morreu, usando palavras adultas, música e uma fotografia; como foi reconhecer o corpo no Instituto de Medicina Legal; o apoio das mães dos colegas de infantário do filho; o dia do enterro. “O meu luto é entre mim, o meu filho e a Hélène. Este livro é apenas uma maneira de partilhar as palavras que estão na minha cabeça com outras pessoas que talvez queiram ler”, simplifica.

Leiris mede bem as palavras. As suas respostas são breves e directas. “Não quero que deturpem as minhas palavras. Estou a tentar dizer as palavras certas e ser percebido”, justifica. No livro, elabora: “Temos sempre a impressão, quando vemos alguma coisa ao longe, que quem sobrevive é o herói. Eu sei que não sou. A fatalidade atingiu-me, mais nada. Não me pediu opinião. Não quis saber se eu estava pronto para a receber. Veio buscar a Hélène e obrigou-me a despertar sem ela. Desde então, não sei para onde vou, como vou e não podem contar comigo para grande coisa.”

Após a partilha do texto que escreveu três dias depois dos atentados na sua conta do Facebook, o jornalista francês recebeu milhares de cartas de todos os cantos do mundo. Continua a recebê-las e reforça que não é exemplo mas que é “reconfortante” receber mensagens a perguntar por si ou pelo filho.

No livro escreve uma nova carta, de Melvil para a mãe Hélène, no dia do funeral: “O Melvil é demasiado pequeno para me acompanhar. Estou sozinho diante de uma multidão de tristeza. Não me apetece falar, já falei demais. Por isso empresto as minhas palavras a quem ainda não as tem e a minha voz a quem não pode fazer ouvir a sua.”

O filho não sabe exactamente o que aconteceu mas sente e vai perceber a seu tempo. “A compreensão da situação vai mudar quando crescer. É uma história que terá continuação. Não há um momento em que ele percebe. Até ao dia da sua morte, o Melvil vai perceber a história de maneira diferente. Vai trabalhar nisso, vai viver com ele”, diz lentamente.

O novo “era uma vez” de Antoine Leiris começou no dia 16 de Novembro à saída do Instituto de Medicina Legal em Paris. “A história de um pai e de um filho que se criam sozinhos, sem a ajuda do astro ao qual juraram lealdade.” Ao PÚBLICO reconhece que “é difícil” mas lembra que há vítimas do terrorismo em todas as partes do mundo. “Não sou o homem de ferro ou o super-homem. Não sou uma personagem. Sou uma pessoa real. Sinto medo. Às vezes quero sair da cidade e viver calmamente. Mas se desistir será uma vitória para eles. Vou tentar não desistir.”

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