Estivadores iniciam novo período de greve no Porto de Lisboa
Ministra do Mar diz que “não há greves definitivas” e apela ao bom senso. Autoridade da Mobilidade e dos Transportes recorda que Porto de Lisboa já está em contraciclo
O Sindicato dos Estivadores (SETC) arranca nesta quarta-feira com um novo período de greve no Porto de Lisboa, prevenindo que possam existir "incidências conexas" igualmente nos portos de Setúbal e da Figueira da Foz. Os protestos começaram em 2012, pelo que a paralisação que agora se inicia, e que tem pré-aviso para vigorar até dia 12 de Maio, marca o quinto ano consecutivo de um conflito laboral cujo fim chegou a ser anunciado, mas que parece continuar longe, para "revolta" de alguns agentes do sector.
Em causa está a incorporação de directivas comunitárias na legislação nacional (Lei do Trabalho Portuário, que entrou em vigor em 2013) e as sucessivas tentativas de acordar um novo contrato colectivo de trabalho (o último expirou a 13 de Novembro passado).
As questões divergentes são várias mas podem ser resumidas ao facto de os estivadores pretenderem impedir que os operadores portuários possam recrutar trabalhadores que não pertençam às Empresas de Trabalho Portuário (ETP) que existem nos portos (é uma espécie de pool de mão-de-obra onde os operadores portuários vão recrutar estivadores consoante os navios que têm previsto em escala) e que estejam a dar acesso à profissão “a trabalhadores não qualificados e com vínculos laborais precários”.
Recrutar fora desta ETP pode sair bem mais barato ao operador. Os estivadores acusam os patrões de estarem a promover o acesso à profissão de mão-de-obra não qualificada e a trabalhar em condições precárias. Um exemplo: a nova lei de trabalho portuário definiu que a movimentação de carga em camiões dentro do porto não é um trabalho portuário, pelo que pode ser desempenhada por um motorista e não necessariamente por um estivador.
O SETC recorda que os trabalhadores portuários sempre desempenharam essas funções e não querem ser substituídos por empresas de camionagem – e, no pré-aviso de greve entregue, até recordam que, nas negociações para o novo contrato, o direito dos estivadores a fazer este trabalho ficou reconhecido.
Se na questão dos motoristas chegou a haver acordo, também houve convergência noutras questões, como o acordo sobre Prestação de Trabalho Suplementar (com o objectivo de permitir a continuidade do trabalho portuário durante o período de negociações), o Acordo sobre o Ingresso no Sector, ou as tabelas salariais e as cláusulas pecuniárias acessórias. Mas há dois pontos em que a discordância se mantém: a forma de progressão na carreira (se baseada no mérito ou efectuada de forma automática), e a organização e o planeamento da actividade portuária (se feita por trabalhadores portuários ou pelos responsáveis pela gestão portuária).
Os operadores entendem que devem ser eles a definir quantos trabalhadores precisam para efectuar determinado serviço, e recordam que actualmente não há progressões automáticas em nenhuma carreira, nem dentro do Estado. Os estivadores lutam para evitar que a precariedade se instale nos portos.
Foi a própria ministra do Mar, que se empenhou pessoalmente no regresso à mesa das negociações apesar de nelas não estar directamente envolvida, quem deu conta dos seus resultados. Na véspera de uma nova greve, e em declarações ao PÚBLICO, Ana Paula Vitorino lembrou que “o acordo está por muito pouco” e que “todos têm de fazer uma avaliação entre o deve e o haver”. “Sejamos razoáveis! Não há greves definitivas…”, pediu.
Depois de ter sido a própria ministra a contabilizar, numa audição na Assembleia da República, o número de dias em que, entre 2012 e 2015, houve pré-avisos pendentes no Porto de Lisboa, mais de 440 dias, e o impacto que isso teve na economia, com perdas de linhas e desvio de carga, o PÚBLICO questionou a ministra sobre o impacto que esta nova vaga de greves pode ter. “Não faço conjecturas sobre impactos socioeconómicos de uma decisão maioritária dos estivadores do Porto de Lisboa”, limitou-se a dizer.
O presidente da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, a entidade que acompanha de perto o desempenho do sector portuário, também não quis antecipar cenários. Ao PÚBLICO, João Carvalho limitou-se a constatar factos: “O Porto de Lisboa tem verificado uma estagnação em termos de movimentação como porto de mercadorias, ao contrário dos restantes portos nacionais inseridos na Rede Transeuropeia de Transportes, onde se tem observado uma dinâmica de crescimento do tráfego”.
O porto pode não chegar a paralisar, mas a instabilidade está instalada. E o presidente da AMT atribui directamente ao ambiente de conflito laboral e às consequentes greves os factores condicionantes a movimentação de carga, em especial, na componente de carga contentorizada.
“A actividade portuária desenvolve-se num mercado global e fortemente concorrencial. Um navio é um activo muito caro que acarreta custos de exploração bastante elevados. Estes custos não são compagináveis com situações de menor desempenho da operação nos portos, indutoras do agravamento de custos de escala e potenciadoras de atrasos dos navios em porto”, explicou o presidente da AMT.