Semana horribilis ou um governo a governar?
Esta foi a semana horribilis de Costa. O Governo fez tudo bem? Não. Mas o balanço é positivo.
1. Na sequência de um post na sua página pessoal no Facebook, onde o ex-ministro da Cultura João Soares prometia bofetadas a dois comentadores do Público (o crítico Augusto M. Seabra e o historiador Vasco Pulido Valente) devido a críticas que estes lhe tinham dirigido nas suas colunas e que o visado considerou insultuosas, e na sequência do alvoroço e da polémica que a ameaça provocou (seria uma ameaça física real ou uma tirada retórica de cariz queirosiano? seria um atentado contra a liberdade de expressão e de imprensa? seria pura estupidez? seria admissível num membro do governo?) o referido ministro acabou por se demitir. António Costa, que se tinha distanciado com elegância do teor do post do seu ministro, sem porém o criticar frontalmente, aceitou a demissão, nomeou imediatamente outro ministro e respectivo secretário de Estado que tomaram posse rapidamente e cuja nomeação foi objecto de rasgados elogios de todos os quadrantes. O incidente saldou-se por uma mudança para melhor na equipa governativa.
2. Numa entrevista dada à imprensa, o subdiretor do Colégio Militar, tenente-coronel António José Grilo, afirmou que, quando se detecta a presença de um aluno homossexual naquela escola, este é convidado a abandonar a instituição. Perante estas chocantes declarações, que revelaram não só a gritante incompreensão por parte da direcção do Colégio Militar do que é o dever de respeitar a lei da República e os direitos individuais de todos os cidadãos portugueses (incluindo os alunos do Colégio Militar), mas também a leviandade (se não a cumplicidade) da direcção do Colégio Militar perante o comportamento homofóbico de alguns dos seus elementos, o ministro da Defesa Nacional perguntou, numa nota interna enviada ao chefe do Estado-Maior do Exército, general Carlos Jerónimo, que medidas tinha posto ou iria pôr em prática "para garantir o direito à não discriminação, nomeadamente em função da orientação sexual", de forma a poder responder a perguntas nesse sentido dos jornalistas.
O general Carlos Jerónimo entendeu não responder atempadamente ao ministro e, o que é de maior gravidade, pelo que revela de falta de discernimento, entendeu não seguir a prudente sugestão feita pelo ministro de tomar a iniciativa de anunciar medidas para inquirir e garantir a defesa dos direitos dos alunos do Colégio Militar. Perante a falta de resposta do Estado-Maior do Exército, quando o ministro respondeu aos media informando-os das diligências feitas junto do CEME, este entendeu fazer de virgem ofendida e apresentou a sua demissão. Apesar das reacções tristemente corporativas de alguns militares, que consideram que a não discriminação das pessoas segundo a sua orientação sexual são modernices sem importância e que tentaram mesmo organizar um pequeno motim, o incidente foi sanado com a nomeação de um novo CEME. O incidente serviu para o Governo sublinhar que, no Portugal democrático, o poder militar está submetido ao poder político, que a lei é para todos e que o Colégio Militar não é, como alguém disse, um off-shore.
3. António Costa revelou numa entrevista que o advogado Diogo Lacerda Machado, seu amigo e antigo secretário de Estado da Justiça, trabalhava como seu consultor e tinha representado o Governo, a título informal, nas negociações com a TAP, com os lesados do BES e no caso BPI-Isabel dos Santos. O anúncio deu origem a uma chuva de críticas devidas à “informalidade” da relação contratual (que acabaria por ser transformada num contrato de prestação de serviços), pela inexistência de um mandato claro e pela eventual existência de conflito de interesses devido aos negócios de Lacerda Machado. É verdade que há inúmeros casos onde os governos usam, com proveito, os serviços de emissários informais. Só que a acção de Lacerda Machado não se enquadrava nesses casos. Não havia necessidade e estas situações de ambiguidade são de evitar. Quem trabalha para o Governo deve ter um mandato claro, público e transparente. Mas curioso foi ver a reacção da direita em inesperado sobressalto moral pela “informalidade” da relação e pelo risco de conflito de interesses. Será que vamos ver Cecília Meireles a defender o afastamento dos gabinetes de advogados do processo legislativo e a incompatibilidade do exercício da advocacia com o cargo de deputado? Se vamos, é de louvar e só se lamenta que não o tivesse feito quando o governo era da sua cor. Se não vamos, significa que o sobressalto “moral” não passa de hipocrisia.
4. Esta também foi a semana em que António Costa visitou a Grécia a convite de Alex Tsipras, reafirmou o seu empenho na resolução do problema dos refugiados e assinou com o seu homólogo grego uma declaração conjunta denunciando as consequências negativas da austeridade, num gesto de grande coragem e visão política. A direita portuguesa e europeia não gostou.
5. Esta foi a semana horribilis de Costa. A imprensa chamou-lhe assim e a direita exultou. O Governo fez tudo bem? Não. Mas o balanço é positivo.