Ataque taliban no centro de Cabul fez 64 mortos
Primeiro ataque taliban na capital afegã depois do anuncio da "Ofensiva de Primavera".
A ofensiva da Primavera fora anunciada há uma semana e Cabul continuava a ser poupada aos ataques taliban. Mas o curto período de calmaria terminou esta terça-feira, com uma explosão na capital do Afeganistão. Este é mais um sinal da força que os islamistas têm vindo a reconquistar no país.
Horas depois de um ataque contra um edifício das forças de segurança que fez pelo menos 64 mortos e 347 feridos (os números foram actualizados esta quarta-feira), uma segunda explosão fez-se ouvir no centro da capital, noticiou a Reuters, adiantando não ser ainda claro o que esteve na sua origem e se há vítimas. O porta-voz do Ministério do Interior, Sediq Sediqqi, disse que se tratou do rebentamento de um "engenho improvisado" que não terá tido consequências.
Um carro armadilhado embateu contra a porta do edifício da Direcção Nacional de Segurança, um departamento encarregue da protecção de ministros e VIP’s. A explosão fez-se sentir a vários quilómetros de distância e foi seguida de uma troca de tiros que terá durado meia hora, segundo testemunhas ouvidas pela Reuters. “Vi feridos deitados na rua, a gritar”, conta à AFP uma testemunha identificada como Sadiqullah. “Já sofremos ataques suficientes!”
Há uma semana, os taliban anunciaram o início da “Ofensiva da Primavera”, com a “Operação Omari”, em memória de Mullah Omar, o fundador do movimento, cuja morte foi anunciada em Julho de 2015. Prometeram “ataques de grande envergadura” em todo o país, nomeadamente contra os 13 mil soldados da NATO e das forças de segurança afegãs. Mas este ataque em Cabul foi mais longe: “Utilizar explosivos em zonas habitacionais, sabendo perfeitamente que correm o risco de causar enorme sofrimento entre os civis, pode constituir um crime de guerra”, comentou a missão da ONU no Afeganistão.
Há 15 anos que os taliban não estavam tão fortes. Morreram mais pessoas em 2015, vítimas de ataques taliban, do que em qualquer ano desde 2001, quando o regime foi derrubado pelas forças americanas: “cerca de 5500” soldados e polícias, de acordo com a NATO, e mais de 3500 civis. Em Fevereiro, o comandante das forças americanas no Afeganistão, John Campbell, avisou: 2016 "não será melhor e poderá ser ainda pior” se não houver mudanças.
Em Dezembro do ano passado, a Al-Jazeera explicava as razões para este aumento da violência: “Os taliban passaram 2014 a planear o seu refortalecimento e a expandir o seu controlo territorial para aproveitar o momentum”.
Como se chegou aqui? Os analistas tendem a apontar na mesma direcção: o espaço encontrado pela retirada das forças de combate da NATO e dos EUA, em finais de 2014, não foi preenchido pelo Exército afegão (a actual missão da NATO destina-se sobretudo a treino, aconselhamento e assistência às forças de segurança afegãs); a entrada no país de milhares de combatentes estrangeiros, vindos sobretudo do Paquistão e dos países árabes (sete mil homens, segundo as estimativas oficiais); e a falta de recursos do próprio Exército afegão. A fragilidade dos serviços de segurança ficou bem visível com o disparo de rockets contra a zona diplomática de Cabul apenas uma hora depois da visita do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, a 10 de Abril.
É certo que há divisões no movimento desde que o mullah Omar morreu. Esta intensificação da violência poderá também ser explicada pela necessidade do novo líder consolidar o poder, mostrando capacidade de infligir perdas ao Exército inimigo.
Numa demonstração de que o seu poder não está concentrado numa única região, os taliban têm lançado ataques por todo o país – e controlam actualmente 20% do território, o nível mais alto desde 2001, referia recentemente a CNN. Kunduz, no Norte (e uma das cidades afegãs mais ricas e estratégicas), tem sido desde a última semana palco de confrontos. A cidade chegou a cair por algum tempo nas mãos dos taliban, em Setembro, naquele que foi o maior golpe para o Governo de Ashraf Ghani desde que as forças da NATO deram por terminadas as suas operações de combate.
A posição taliban será determinante no rumo das negociações para a paz, que deverão ser retomadas este ano, depois de terem sido canceladas no Verão passado. Os taliban impõem uma condição para participar: a retirada de todas as forças estrangeiras do território.