Irão paira sobre a última e difícil viagem de Obama à Arábia Saudita

Há muito que a distância entre os dois aliados não era tão grande. Na véspera da visita, a primeira desde o acordo nuclear, Riad ameaçou retaliar se Congresso americano aprovar lei que permitiria processar governo saudita pelos atentados de 2001.

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Obama disse na entrevista à Atlantic que a Arábia Saudita “precisa de encontrar uma forma eficaz de partilhar a região" com Teerão Saul Loeb/AFP

É a quarta e previsivelmente última viagem de Barack Obama à Arábia Saudita enquanto Presidente dos Estados Unidos – uma nova embaixada para afirmar que, por mais percalços que haja no caminho, Washington não virará as costas aos seus aliados no Médio Oriente. Mas há muito que as relações entre os dois países não eram tão tensas e à distância cavada pelo acordo nuclear com o Irão, em 2015, somaram-se nas últimas semanas novos focos de tensão.

Ninguém, em público ou em privado, diz que esta será uma visita fácil, ainda que na passagem por Riad, onde nesta quarta-feira é recebido pelo rei Salman, Obama possa fechar contratos de Defesa há muito prometidos. “É importante que os americanos percebam que não estamos contentes com certas aberturas que têm vindo a fazer em relação ao Irão às nossas custas”, disse à Reuters, sob condição de anonimato, um responsável do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), fórum que reúne as seis monarquias da região e que quinta-feira se reúne, com Obama como convidado.

Nas relações de Washington com Riad – e por arrasto com os restantes aliados sunitas – há um antes e um depois do acordo com o Irão que, a troco da suspensão de parte do seu programa nuclear, viu serem levantadas as sanções internacionais que há mais de uma década minavam a sua economia. A Arábia Saudita teme que a potência xiita, apta agora para reerguer a sua indústria petrolífera, redobre os esforços para expandir a sua influência na região, onde os dois países travam já guerras por procuração, na Síria e no Iémen.

Arábia Saudita: Uma potência assustada pode ser perigosa

“Não creio que possa existir alguma confusão ou ambiguidade em relação a quem é o nosso parceiro na região e quem não é”, disse à mesma agência Rob Marley, conselheiro de Obama para o Médio Oriente, sublinhando que o acordo nuclear não levou Washington a baixar a guarda em relação ao que considera ser a ingerência de Teerão nas nações do crescente xiita.

Mas a Riad  – a braços também com inéditas dificuldades económicas, após dois anos a suportar o colapso dos preços do petróleo  – não descansará a notícias de que, na mesma altura em que o Presidente americano partia para o Médio Oriente, o seu secretário de Estado, John Kerry, se reunia em Nova Iorque com o homólogo iraniano, Mohammad Zarif. Os dois iriam discutir formas de descongelar mais rapidamente os milhões de dólares que continuam bloqueados nos EUA, três meses depois do levantamento das sanções.

Obama também não contribuiu para aliviar a tensão quando, na já muito citada entrevista que deu à revista The Atlantic, disse que alguns países árabes e europeus “gostam de andar à boleia” dos EUA, pressionando-os a entrar em guerras para as quais não estão eles próprios dispostos a contribuir – referência clara às críticas que Paris ou Riad lhe fazem por ter recusado intervir directamente na guerra da Síria. E, ao mesmo tempo que criticou a ingerência iraniana na Síria e no Iémen, disse também que a Arábia Saudita “precisa de encontrar uma forma eficaz de partilhar a região e instituir uma espécie de paz fria” com o arqui-rival. Como se não bastasse, recordou a resposta que deu recentemente ao primeiro-ministro australiano quando ele lhe perguntou se os sauditas não eram amigos dos EUA: “É complicado”, respondeu.

“A América mudou, nós mudámos e precisamos claramente de realinhar e reajustar a compreensão que temos uns dos outros”, disse ao New York Times o príncipe Turki al-Faisal, antigo embaixador nos EUA e chefe dos serviços secretos sauditas, o único que reagiu às afirmações de Obama, numa carta aberta em que questionou a sabedoria desta “viragem para o Irão” da Administração americana.

Ameaça saudita

É à luz desse reajustamento que deve ser interpretado o último escolho a ensombrar a visita oficial de Obama. Sexta-feira, o NY Times noticiou que a Arábia Saudita ameaçou vender 750 mil milhões de dólares em dívida do Tesouro americano e outros bens que detém nos EUA se o Congresso aprovar um projecto de lei, em discussão no Senado e apoiado tanto por republicanos como por democratas, para permitir às famílias das vítimas do 11 de Setembro processar governos estrangeiros (incluindo Riad) por envolvimento nos atentados de 2011.

As investigações nunca provaram qualquer ligação entre as autoridades sauditas e o ataque reivindicado pela Al-Qaeda, mas 15 dos 19 piratas do ar eram sauditas. Já em Fevereiro, o francês Zacarias Moussaoui, preso nos EUA por envolvimento nos ataques, garantiu aos seus advogados que entre os financiadores da rede terrorista havia membros da família real saudita. Afirmações que, sublinha a AFP, reabriram o debate sobre a divulgação de 28 páginas do relatório da comissão de inquérito aos atentados sobre o possível envolvimento de países estrangeiros nos ataques.

A Casa Branca afirma que compete aos serviços secretos desclassificar os documentos e, numa entrevista à CBS antes de deixar Washington, Obama afirmou que se opõe à iniciativa do Senado e vetará a lei se ela for aprovada. “A nossa preocupação não está ligada ao impacto nas nossas relações com um país em particular, mas com um princípio importante no Direito internacional, o da imunidade dos Estados”, explicou Josh Earnest, porta-voz da Casa Branca, já depois de Obama ter dito que se o país permitir que os seus cidadãos processem países terceiros “estão também a abrir a porta para que os EUA passem a ser constantemente processados por indivíduos de outros países”.

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