Há cinco novos geomonumentos para visitar em Viana do Castelo

Câmara criou o Geoparque Litoral de Viana do Castelo, que resulta da investigação do geólogo Ricardo Jorge Carvalhido. E já ganhou já o seu primeiro prémio.

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Vista de longe, a paisagem parece indecifrável. Mas tem uma história para contar Martin Henrik
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O Alcantilado de Montedor é o geo-sítio mais a norte do novo Geoparque de Viana Martin Henrik
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A praia do Canto Marinho é, de norte para sul, o segundo geo-sítio do novo parque Martin Henrik
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No Alcantilado de Montedor há vestígios de inscrições rupestres que ajudam a perceber o nível do mar no Neolítico Martin Henrik
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Estes alvéolos escavados nas rochas por ouriços-do-mar mostram que estas pedras estivam já submersas Martin Henrik

O projecto só esta semana vai ter uma ampla divulgação pública, mas já recebeu, há dias, o prémio Geoconservação 2016 do grupo português da Associação Europeia para a Conservação do Património Geológico (ProGEO). O novíssimo Geoparque Litoral de Viana do Castelo conta-nos, em cinco monumentos, alguns capítulos da evolução do nosso planeta, através das marcas que, nesse processo de centenas de milhões de anos, ficaram à vista na costa e no leito do rio Lima. Algumas das mais belas praias do país ganham, desta forma, outros motivos de interesse, que a ecovia do litoral norte coloca à distância de um passeio, de bicicleta ou a pé.

Quem viaja na Estrada Nacional 13, para norte da cidade de Viana, tem à sua direita o Monte de Santa Luzia e à esquerda, em direcção ao mar, a famosa veiga da Areosa. O que poucos sabem é que aquele imenso torrão de terra fértil que se estende até ao alcantilado de Montedor, já em Carreço, cobre um lago ancestral, que há 18 mil anos ali existia, e cujos sedimentos, a pouca profundidade, ajudam a explicar a fertilidade destes solos húmidos, debaixo dos quais correm pequenos regatos que, por entre penedos, às vezes, descobrem o seu caminho até ao Atlântico.

Nessa altura a linha de costa estava a grande distância, explica-nos o investigador Ricardo Jorge Carvalhido, responsável pelo estudo que deu origem à criação deste novo parque. Durante dez anos, este licenciado em Biologia e Geologia da Universidade do Minho percorreu, a pé, centenas de quilómetros de praias rochosas, procurando perceber nelas os diferentes momentos de formação da paisagem que hoje temos à frente dos olhos e dos quais há marcas que remontam a mais de 500 milhões de anos. Num dos períodos do Paleozoico, o oceano Rheic separava dois enormes continentes, antes de o seu fecho, por via dos movimentos das placas tectónicas, ter dado origem ao supercontinente que conhecemos com Pangea.

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São muitas as histórias que estas pedras têm para contar. Durante o doutoramento, Ricardo Jorge Carvalhido escutou-as e, num primeiro momento, chegou a identificar 17 geossítios. De um segundo lote de 13 destacou seis de “excepcionalidade científica”: De sorte para sul, o Alcantilado de Montedor, o da Praia do Canto Marinho (ambos em Carreço), o das Pedras Ruivas, que agregam o sítio do Fortim de Rego de Fontes (em Areosa/Monserrate), o das Ínsuas do Lima, no estuário do rio Lima, e a Ribeira de Anha. O académico e dirigente distrital da Quercus não tem dúvidas de que estas áreas agora classificadas, que abrangem um perímetro de mais de 600 hectares, têm um elevado potencial turístico e educativo, “mas também um elevado risco de degradação”, que exige acções de protecção e conservação”, algumas delas já iniciadas.

As bolas de granito no Canto Marinho

O presidente da Câmara de Viana, José Maria Costa, recorda que, há uns anos, a praia do Canto Marinho ganhou o estatuto de Praia Dourada, algo que o município nunca divulgou muito, com receio de que uma visitação mais intensiva acabasse por degradar este espaço. Que deve o seu nome ao som do mar bulioso, batendo num extenso, e baixo, muro de pedra escura, no meio do qual há umas enormes bolas de granito que chegaram a ser interpretadas como um tsunamito, depósito resultante de um enorme tsunami que, segundo os registos antigos, devastou em 60 AC a costa do que é hoje o Norte de Portugal e a Galiza, afugentando as populações para a montanha.

Na sua investigação, Ricardo Jorge Carvalhido acabou por “estragar” a história, ao reinterpretar estas estranhas bolas, que parecem também ter sido para aqui atiradas por algum gigante, como resultantes da migração difusa (pelo ar) de enormes “gotas” de magma. Mas nem por isso ignorou este aspecto geocultural, no guia de campo que escreveu, O Livro de Pedra (que será apresentado esta semana). Aliás, a descrição destes cinco geomonumentos inclui sempre aspectos da interacção do homem com estes espaços. Se no Alcantilado de Montedor são bem visíveis inscrições rupestres numa pequena baía, no Canto Marinho a paisagem é dominada pelas mais de 700 pias salineiras (rocha escavada onde a água salgada era colocada ao sol, para produzir sal) que ajudam o geólogo a perceber que o nível do mar estaria abaixo da quota destas rochas no período pré-romano, há quatro ou cinco mil anos.

Em contraponto, junto ao Fortim da Areosa (Monumento das Pedras Ruivas) existem em zona de poça de maré concentrações de álveolos de antepassados dos ouriços do mar (icnofosséis), que demonstram que aquelas pedras onde hoje podemos andar já estiveram, há 124 mil anos, debaixo de água. Ricardo Jorge Carvalhido explica que os topos aplanados dos rochedos à nossa frente não são mais do que os restos das praias que aqui havia nesse período interglaciar e que, no chão, o terreno onde medram algumas plantas resistentes esconde, mal, os sedimentos da tal lagoa, que terá existido durante sete mil anos, até há 11 mil anos, alimentada pelas águas que escorriam da montanha.

Outra marca, esta mais recente, do convívio do Homem com estas praias são as pesqueiras que foram construídas nos interstícios das formações rochosas. Com recurso a pedras soltas, na Idade Média as populações fechavam pequenas baías naturais que na preia-mar eram cheias com água e peixe que, após a descida da maré, ali ficava preso, à disposição dos pescadores. As pedras dessas camboas ainda aqui estão, à vista de quem souber interpretar a sua função, que acabou por inspirar outras intervenções humanas ainda mais recentes: as piscinas de marés da Praia Norte, que seguem, no fundo, o mesmo princípio.

O Parque Geológico do Litoral de Viana do Castelo vai estar em grande destaque nas comemorações da Semana da Terra, que decorrem desta segunda a sexta-feira na cidade. Investigadores, comunidade escolar, ambientalistas e operadores turísticos vão abordar, em diferentes perspectivas, a importância destes monumentos para a comunidade e os seus diferentes usos. E, no que toca a usos, Ricardo Carvalhido fez questão de convidar um artista plástico, Carlos Neves, que um dia descobriu numa das praias, fazendo “land art” com as pedras soltas, para mostrar que eles, os usos, são múltiplos, e por vezes nada óbvios. Algo que podemos ver na sexta-feira, Dia Mundial da Terra e Dia Nacional do Património Geológico, pelas 9h, no workshop de esculturas naturais e meditação que acontecerá no Alcantilado de Montedor.

Acesso pela Ecovia do Litoral Norte

O presidente da Câmara de Viana não teve dúvidas e apadrinhou desde o primeiro momento a proposta de criação deste geoparque. “Dentro do Património Natural o geológico é normalmente colocado em segundo plano, mas nós temos aqui uma geodiversidade muito grande e monumental”, afirma o autarca, adiantando que estão a ser elaborados guias para turistas mais familiarizados com este tipo de património e outro material de apoio para as escolas do concelho, que poderão, com ele, organizar aulas e visitas de campo, educando as crianças para a importância destes monumentos e para a forma como, ao longo da pré-história e da história, o homem se foi relacionando com eles.

Um dos monumentos classificados, as ínsuas do Lima, ilhotas de formação recente bem visíveis das pontes de acesso à cidade, foram até há pouco tempo usadas como pastos para gado, e nas margens do rio ainda há marcas de antigas salinas abandonadas. Ricardo Jorge Carvalhido gostaria de ver uma delas reabilitada, como centro de interpretação de uma actividade que já foi muito importante para o concelho. E o certo é que, na margem sul, em Darque, está em fase de licenciamento um projecto turístico, o Salinas Parque, que vai explorar essa relação antiga com a produção de sal, revelou ao PÚBLICO o autarca de Viana.

José Maria Costa e Ricardo Jorge Carvalhido comungam a ideia de que estes geomonumentos podem atrair um turismo sustentável, não massificado e quebrar a sazonalidade habitual nas praias da costa portuguesa, frequentadas basicamente no Verão. E para isso contam com um aliado de peso. Neste momento estão a terminar as obras de construção da Ecovia do Litoral Norte, que passa por estes espaços, e os torna acessíveis a pé ou de bicicleta. O passeio, que já era bonito de fazer, ganhou por isso outros motivos de interesse.

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