Funk em Copacabana? É o protesto da favela contra o impeachment
A batida estridente de um protesto contra o impeachment chegava ao alto das favelas da zona sul do Rio no domingo de manhã. A questão era se iam descer.
A luta pela democracia pode assumir várias formas, mas só no Rio de Janeiro é que poderia envolver um camião de funk. O fundador da maior e mais conhecida produtora de bailes funk do Rio convocou as favelas para descerem o morro no domingo de manhã e participarem num protesto contra o impeachment em Copacabana. “No futuro não podemos dizer para os nossos filhos, para os nossos netos, que não estivemos aqui lutando pela democracia”, gritou, do alto do camião de som, Rômulo Costa, dono da produtora Furacão 2000, um mulato com o crânio rapado dos lados e o cabelo preto comprido no topo da cabeça, puxado para trás, terminando numa trança.
A batida estridente, do género que vibra no peito, devia chegar ao alto das favelas ali perto, de Pavão-Pavãozinho a Chapéu Mangueira. A questão era se iam descer. Primeiro porque se o Brasil tem vivido um período de grande mobilização política nas ruas, a favor e contra o impeachment, há uma parcela da sociedade que não se tem envolvido – a favela. E, depois, baile de favela na praia de Copacabana é coisa inédita. No último ano e meio, Copacabana tem sido sobretudo o palco dos protestos contra o Governo de Dilma Rousseff e este domingo não ia ser diferente: as autoridades dividiram a orla de Copacabana em dois turnos para evitar que grupos a favor e contra o impeachment se encontrassem e houvesse confrontos. O funk foi de manhã, a manifestação a favor do impeachment à tarde.
“Se você olhar o perfil de quem vai estar aqui à três da tarde, é completamente diferente”, diz Roberta Oliveira, 51, professora. “Aqui tem mais povo. Trabalhadores e movimentos sociais. Lá são os donos de Copacabana”, diz José Luís Lima, 37, metalúrgico.
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Aqui é a voz da senzala”, resume Roberta Oliveira, referindo-se ao esquema de separação social vigente na escravatura brasileira. A “casa grande” era o espaço do senhor branco, a “senzala” o lugar dos escravos. Moradora no bairro de Botafogo, Roberta diz que a sua história “é da senzala”, apontando para a pele mulata. “Eu não preciso ser da favela para defender a igualdade social e na distribuição de rendimentos. Para mim, basta ser brasileira.”
Na visão de muitos dos apoiantes do Governo e da Presidente Dilma, o processo de impeachment não é mais do que uma tentativa de golpe de forças políticas de direita e elitistas para voltar a assumir o poder depois de 13 anos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT), que promoveram a ascensão económica e social de milhões de brasileiros pobres. “O problema é que quem decide o destino desse país é uma elite. Uma elite podre”, acusa Roberta, antes de apontar o dedo na direcção dos prédios altos na Avenida Atlântica, frente ao Posto 3 de Copacabana. “Está vendo?”, pergunta. “Tudo fechado e só tem uma empregada doméstica doméstica olhando pela janela ali. É foda, hein?”
“A maioria aqui na zona sul é rico, o show aqui é só de magnata”, diz Maria Lúcia, doméstica, 56 anos, moradora de Belford Roxo, um município pobre na periferia da cidade que deu a Dilma a maior percentagem de votos em 2014 no estado do Rio de Janeiro (75%). “Somos pobres e a oposição quer tirar a pessoa que só fez o bem para a gente. Não podemos ficar em casa”, diz Maria Lúcia. “Gosto muito de Dilma. Primeiro porque é mulher, segundo porque é guerreira, terceiro porque é humilde.”
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A expectativa de Rômulo Costa, o idealizador da manifestação era ter mais de cem mil pessoas em Copacabana, contando com os moradores de favelas próximas, como Rocinha, Vidigal, Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. Nos últimos dias, alguns dos artistas da Furacão 2000, “funkeiros” famosos como MC Sapão e Nego do Borel, convocaram os fãs para participarem no protesto através de um vídeo divulgado nas redes sociais. Mas o acto, intitulado Funk Contra o Golpe, parecia mais bloco de Carnaval do que baile de favela. Alguns participantes estavam desapontados com a pouca adesão de habitantes das favelas. “Estão alguns, mas podia ter mais”, disse Viviane Sales, 25, poeta criada na Cidade de Deus. Rômulo Costa pedira aos manifestantes para prestarem atenção na letra de um novo funk: “O morro mandou avisar / quando a senzala descer / ninguém vai segurar.” Não foi dessa.