Para os jovens do BE, o partido aproximou-se do poder mas continua revolucionário
Jovens militantes bloquistas e simpatizantes reuniram-se em Coimbra num encontro de “partilha de ideias”.
O encontro não se realizava desde 2013, ano em que foi organizado no Porto. O mesmo é dizer que esta é a primeira vez que o InconFormação acontece num contexto novo para os bloquistas. Apesar de não fazer parte do Governo (como a maioria dos jovens com quem o PÚBLICO falou faz questão de sublinhar), o Bloco de Esquerda não é apenas oposição, mas parte da solução.
Com 26 anos, Diogo Barbosa está ligado ao BE há 12 e entende o acordo com os socialistas como uma “necessidade histórica” que permitiu “romper com quatro anos de política de direita”. Para o jovem militante, o objectivo do partido deve passar por ”segurar este governo durante quatro anos”, de forma a garantir a “defesa do Estado Social, o aumento do salário mínimo, a reposição dos ordenados”, entre outras bandeiras dos partidos à esquerda do PS.
No mesmo sentido, Gonçalo Pessa, 22 anos e militante desde os 16, considera que o “projecto” com PS, PCP e Os Verdes – vulgo 'geringonça' – é “essencial” devido ao “contexto histórico” de poder “traduzir melhorias concretas na vida das pessoas”. Apesar disso, não acha que o acordo deixe o Bloco “refém da agenda política do PS”. “Um partido que se diz revolucionário não se deixa refém do PS”, reforça Diogo Barbosa. “Neste momento, a forma de ser um partido revolucionário é condicionar o PS a fazer a devolução de rendimentos”, exemplifica.
Se, desde a sua formação em 1999, o BE procurou transmitir uma imagem de afastamento da forma convencional de fazer política, o facto de contribuir para sustentar um governo socialista não perturba essa mensagem nem diminui a capacidade de atrair novos militantes dentro da sua área política, avalia Ricardo Gouveia. Reforçando que a actual solução “não é suficiente, mas é um bocado melhor”, o jovem militante diz que a estratégia passa por “radicalizar o centro”.
Esta aproximação ao poder trará consequências eleitorais negativas? Não acreditam, uma vez que o BE “não é um partido eleitoralista” e o horizonte, neste momento, é a quatro anos, refere Diogo Barbosa. Gonçalo Pessa considera que não fazer o acordo que permitiu a formação de um Governo seria um erro político que, “aí sim”, prejudicaria o partido em termos eleitorais. Com esta movimentação, diz o jovem, o Bloco prova que não é apenas “um partido de protesto, mas de proposta”.
Sem televisões por perto
Nos painéis do evento que se realiza em Coimbra neste fim-de-semana, as menções a este posicionamento foram poucas ou inexistentes, mas os jovens militantes do BE recusam a ideia de que o acordo com o Partido Socialista desvirtue a génese do Bloco ou lhe retire capacidade de atracção.
A iniciativa, como conta Ricardo Gouveia, da direcção nacional de jovens do Bloco, serve para “juntar o movimento social dentro e fora” do partido para “partilha de ideias”, com um carácter de “formação política e ideológica”.
O modelo tem pontos de contacto com as “universidades de Verão” promovidas por PS e PSD, mas para Ricardo Gouveia esse termo remete para uma espécie de “cátedra” e os bloquistas preferem que o InconFormação seja “mais horizontal possível”. O evento não é apenas aberto a membros do Bloco. Apesar de muitos o serem, há jovens que vão para “partilhar ideias”. Nele participam também activistas e simpatizantes.
Uma delas é Beatriz Santana. A estudante universitária de 23 anos não é militante mas foi ao encontro do BE para “ouvir e saber mais” sobre as propostas relativas a matérias que lhe interessam. Sente-se identificada com a forma como o Bloco – que considera “próximo dos [seus] ideais políticos” – encara as questões sociais.
A média de idades dos cerca de 100 participantes andará na casa dos 25, num fim-de-semana preenchido por sessões com temas caros ao Bloco: uns que o partido tem vindo a trazer à discussão pública nos últimos anos (União Europeia, crise financeira e do euro, reestruturação da dívida), outros que têm vindo a ganhar relevância nos últimos meses (crise dos refugiados, morte medicamente assistida, questões de identidade e género).
O fim-de-semana que abriu com a eurodeputada Marisa Matias na sexta-feira termina com a intervenção de Catarina Martins na tarde de domingo. No sábado passaram pelo InconFormação figuras do partido como a ex-eurodeputada Alda Sousa ou o deputado pelo ciclo eleitoral de Coimbra José Manuel Pureza.
Na sessão da manhã de sábado, a deputada bloquista Mariana Mortágua e o economista Ricardo Paes Mamede discutiam a iminência de uma nova crise mundial, numa sala cuja ausência de câmaras aliviava algumas formalidades de discurso. “Não há televisões aqui, pois não?”, perguntava Mariana Mortágua, para pouco depois explicar a relação entre crise e neo-liberalismo, desde o momento em que “a Tatcher e o Reagan vieram avacalhar esta coisa toda”.
De Marx a Keynes, de Bretton Woods ao Panamá, o debate entre os economistas e os jovens percorreu depois vários autores e geografias, com destaque para as distorções do sistema capitalista.