Impopular e indesejado, Hollande hesita em recandidatar-se
Presidente francês mantém tabu, ao mesmo tempo que procura condicionar o avanço de outros potenciais candidatos.
Atacado pelos cidadãos convidados a fazer-lhe perguntas num programa de televisão, François Hollande manteve-se firme, como um saco de pancada que tenta explicar sempre, até ao tédio. Face aos desafios dos jornalistas do canal France 2, manteve a calma, e garantiu que “só no final do ano” é que dirá se vai recandidatar-se” em 2017. Mas entretanto, percebe-se bem que gostaria de continuar no Eliseu, apesar de as sondagens mostraram que cerca de 87% dos franceses não o querem continuar a ter como Presidente.
“Presidir não é decidir sozinho. Se por vezes as críticas me ferem, tenho o dever de não o mostrar, para que os franceses pensem que não tenho dúvidas sobre os objectivos que fixei”, afirmou Hollande no programa Diálogos Cidadãos de sexta-feira à noite, em que foi um Presidente da República em posição de réu. “Exercício fascinante. É enterrado, sai da areia e reinstala-se na arena à sua maneira: combativo, mas nunca agressivo”, escreve a editorialista do Le Monde Françoise Fressoz.
Mas, se recusa definir-se já como candidato, receoso da sua própria impopularidade – as sondagens dizem que não passaria sequer à segunda volta – faz os possíveis para drenar o terreno à sua volta, qual eucalipto sequioso, tentando minar o crescimento de outros candidatos. Fê-lo relativamente ao ministro da Economia, Emmanuel Macron, seu antigo conselheiro, que este mês lançou o seu próprio movimento, denominado Em Marcha, que ele definiu como sendo “nem de esquerda, nem de direita”, e que muita polémica tem gerado em França.
Macron, de 38 anos, tornou-se o ministro mais popular – embora seja mais bem visto pelo centro e pela direita, onde congrega mais de 70% de opiniões favoráveis. Não é filiado no Partido Socialista, onde é visto com desconfiança, por ter protagonizado várias reformas de grande protagonismo. E por ter trabalhado num banco de negócios (Rotschild), antes de ser secretário-geral adjunto do Eliseu.
Ele diz que o seu movimento Em Marcha servirá para lançar ideias e apoiar Hollande – mas não descarta a ideia de ele próprio se candidatar à Presidência da República. Diz apenas que, por ora, isso não está nos seus planos.
Certo é que Macron tem sido a “coqueluche” dos media nos últimos tempos – ele e a mulher, Brigitte, estão na capa da revista Paris Match esta semana e no dia em que Hollande suava sob os focos da televisão e as perguntas incómodas, o ministro estava em Londres, convidado pelo Financial Times a falar sobre o futuro da Europa, os seus pontos de vista liberais, o “Brexit”, tudo isto num inglês fluente, e afirmando que “60% a 70% das reformas do Código do Trabalho francês”, contestadas na rua pelos jovens e pelos sindicatos, seriam postas na gaveta. “É sempre complicado lançar reformas a um ano de uma eleição presidencial”, afirmou citado pelo Le Monde.
Puxão de orelhas a Macron
Hollande, interpelado na France 2 sobre o movimento Em Marcha, fez uma espécie de puxão de orelhas público. “Macron foi meu conselheiro. Ele tem a sua tarefa, como ministro da Economia, que é promover o desenvolvimento, o investimento. Agora quer procurar ideias novas, dialogar com os franceses, pode fazê-lo. Desde que esteja na equipa, está sob a minha autoridade”, afirmou. “Tem a certeza?”, espicaçou o jornalista David Pujadas. “Sim, não é uma questão de hierarquia, é o que ele me deve”, afirmou o Presidente. “É um golpe certeiro contra o seu antigo conselheiro, ao qual recorda a exigência de lealdade pessoal e política”, sublinha a editorialista Françoise Fressoz.
Quanto a não ser posto em prática o Código do Trabalho por se aproximarem as eleições… Hollande não está mesmo em sintonia em Macron. “Continuarei até ao fim. Temos grandes reformas a fazer, como a lei do trabalho e o projecto Igualdade e Cidadania”, assegurou. “A terceira grande reforma é ainda a transparência, a luta contra a fraude fiscal. Farei reformas todos os dias do meu mandato”, prometeu o Presidente.
O “electrão livre” Emmanuel Macron, cujas intenções ainda não são bem compreendidas, pode ser um factor perturbador do tabuleiro das eleições presidenciais de 2017 para a esquerda, que já é suficientemente complicado por causa da impopularidade de Hollande e da hesitação de outros presidenciáveis em avançar porque todos esperam para ver o que ele fará. Até porque os estatutos do Partido Socialista indicam que a escolha do candidato passa por umas primárias “abertas ao conjunto dos cidadãos que aderem aos valores da República e da esquerda, co-organizados pelas formações políticas de esquerda que desejem participar”.
Nada preconiza que o Presidente, no caso de disputar a reeleição, possa escusar-se a estas primárias – os estatutos são omissos sobre o que acontecerá nesse caso, sublinha o Le Monde. No entanto, uma resolução aprovada pelo conselho nacional do PS a 9 de Abril diz que devem ser levados em conta os “constrangimentos” do Presidente para fixar as regras das primárias. Mas a acção do PS no Governo, desde 2012, também não tem ajudado a criar um sentimento que favoreça a colaboração com outras forças de esquerda para a realização destas primárias.
Fiel Valls
Entre todas estas incertezas, quem se tem mantido constante no seu compromisso com François Hollande tem sido o primeiro-ministro Manuel Valls, apesar das suas próprias ambições presidenciais. “Desde a primeira volta das primárias em 2011 [em que ele foi um dos candidatos e Hollande ganhou], decidi apoiar François Hollande, pois considerei que se tinha iniciado um novo ciclo político”, disse Valls, numa entrevista ao Libération na última quarta-feira. “É preciso que a esquerda se reúna em torno do Presidente. Temos de defender o balanço do seu mandato, mas cabe-lhe indicar o caminho”, afirmou.
Essa liderança está a faltar a Hollande – que no entanto não se inibiu de dar também um puxão de orelhas a Valls. Criticou a ideia avançada esta semana pelo seu primeiro-ministro de interditar o uso do véu nas universidades – algo reclamado por alguns professores, de forma veemente. “Não haverá proibição do véu. A universidade é um lugar de liberdade religiosa, política. Mas não pode haver proselitismo, intromissões nas aulas, pressão sobre alguns professores”, frisou o Presidente.
Valls, que inicialmente tinha em Macron um aliado no Governo – dois motores de liberalização da economia e modernização da sociedade – está cada vez mais a entrar em choque com o seu ministro da Economia. A sua reacção ao lançamento do movimento Em Marcha, e da ambição de ir para além da direita e da esquerda foi uma troca de galhardetes. “Nada seria pior do que a confusão entre a esquerda e a direita, que é uma boa clivagem”, declarou.
Para um político de esquerda de quem continuamente suspeitam ter tendências de direita – na entrevista do Libération, perguntaram-lhe se continuava a ser de esquerda – Valls põe de parte a possibilidade de França vir a ser governada por uma “grande coligação” à alemã, formada pelos dois maiores partidos, de esquerda e direita. Ainda que a muitos eleitores a ideia pareça simpática, e que se fale na possibilidade de Macron poder ser primeiro-ministro de Alain Juppé – o candidato mais bem colocado entre os 12 já declarados às primárias de Os Republicanos, o partido de Nicolas Sarkozy, de centro-direita.
“Com uma esquerda dividida – uma parte da qual não quer assumir responsabilidades –, uma direita fracturada e uma extrema-direita enraizada, parece-me claro que a questão que se coloca é como é que se pode ter uma maioria para governar”, disse Manuel Valls ao Libération.
A análise de Valls parece correcta. O que falta é a resposta por parte de François Hollande, ideias novas, apoios, respostas novas. E isso, pelo menos por ora, parece estar a ser difícil para este Presidente em estado de emergência – tal como o país, pelo menos até 26 de Maio, quando será de novo reapreciado se a França continuará nesta situação excepcional, como está desde os atentados de Novembro em Paris.