Estará Louçã a aburguesar-se?
No tempo em que não usava gravata, Louçã parecia ter um comportamento um pouco mais distendido em matérias de justiça.
Francisco Louçã declarou na semana passada que eu uivava com os lobos, num texto tão comoventemente ponderado, equilibrado, balanceado e ajuizado que comecei a temer pelo destino do revolucionário Louçã. Pensei: estará o ex-líder do PSR a aburguesar-se, como parece indicar a tão badalada gravata que ostentou no Conselho de Estado?
Ao lerem o seu texto, ver-me-ão acusado de populismo, de ir atrás da turbamulta, de instrumentalização da democracia, de me esquecer do Direito, de cedências à política “suja”. No final do artigo, chego mesmo a ser paternalmente aconselhado a deixar “de lado os ódios pessoais” que tão mal me colocam e a parar de “gritar contra toda a gente de que não gosto”. Louçã dá-me uma verdadeira coça de respeitabilidade institucional, como se fosse um vetusto senador do regime grávido de prudência e harmonia. Até em defesa de Ricardo Salgado ele sai (juro), criticando a minha postura: “Salgado, que eu saiba, não foi acusado de roubar, veremos o que diz o processo.”
O que uma gravata faz por um homem. É que no tempo em que não usava gravata, Louçã parecia ter um comportamento um pouco mais distendido em matérias de justiça. Lembro-me, por exemplo, de em 2009 ele sugerir à justiça portuguesa para “procurar nas 61 mil fotocópias” que Paulo Portas tinha “levado para casa” o contrato dos dois submarinos que a polícia andava à procura. Lembro-me de em 2008 ter defendido a saída de Dias Loureiro do Conselho de Estado, na sequência de uma notícia do PÚBLICO – repito: de uma notícia, não de uma condenação em tribunal –, porque “um conselheiro de Estado não pode estar envolvido em negócios em Porto Rico em compra e venda de empresas em offshore”.
Lembro-me de em 2007 ele ter criticado um jantar em defesa da Bragaparques, garantindo que “nós cá estamos para pedir a conta pelos atropelos e pela bandidagem” (só dois anos depois Domingos Névoa foi condenado em primeira instância por corrupção). Lembro-me de em 2011 ter afirmado que “Cavaco Silva era um dos donos do BPN” e que a venda das acções da SLN tinha sido um “negócio de favor”. Lembro-me de em 2014, a propósito do caso Tecnoforma, ter acusado Pedro Passos Coelho de “malabarice” (“filha do malabarismo e da malandrice”) por “viver com subterfúgios para não pagar impostos”. Nesses tempos, Louçã era um homem com muito mais certezas.
Mesmo em relação a Ricardo Salgado, lembro-me de Francisco Louçã ter lamentado a sua detenção no Verão de 2014 da seguinte forma: “Curiosamente, só é detido depois de deixar de ser presidente do BES e de o grupo ter entrado em falência.” O que é menos uma crítica à detenção em si e mais uma crítica à falta de coragem da justiça para o prender quando ele era um homem poderoso. Nesse tempo, Francisco Louçã não sentia tanta necessidade de aguardar pelas decisões dos tribunais. Por que seria? Porque ainda não era conselheiro e dispensava a gravata?
Não me parece. O problema não está na gravata, mas sim na área em que surgem as suspeitas de “malabarices” e corrupções: Louçã tem um amor flutuante em relação à justiça consoante os acusados são, ou não, da sua área ideológica. Em relação à direita portuguesa, permite-se ser Louçã, o revolucionário. Em relação à esquerda brasileira, prefere ser Louçã, o institucionalista. Claro que Louçã, homem inteligente, admite que “crime é crime” e que há corruptos em ambos os lados. Com certeza que há. Só que vai-se a ver e uns são mais corruptos do que outros.