As soluções são sempre escolhas políticas, defende Guterres na ONU

Português promete paridade total entre homens e mulheres nos cargos dirigentes das Nações Unidas na audiência dos candidatos ao cargo de próximo secretário-geral das Nações Unidas.

Foto
António Guterres apresentou a sua visão para o cargo de secretário-geral da ONU DR

António Guterres recordou a sua experiência a trabalhar nos bairros de lata de Lisboa no discurso de apresentação da sua candidatura na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, para sublinhar que as soluções para os problemas que afectam “os mais vulneráveis dos vulneráveis são sempre políticas”. “Sou um homem muito privilegiado, pelas oportunidades que tive, por isso tenho a obrigação de servir”, afirmou, para justificar a sua opção de tentar lutar sempre “dentro do sistema.”

O ex-alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) jogou forte na apresentação do seu programa, que assenta no “primado da prevenção”, como afirmou em resposta ao embaixador da União Europeia nas Nações Unidas – o português João Vale de Almeida, um dos primeiros a participar na sessão de perguntas e respostas aos oito candidatos ao cargo de secretário-geral da ONU, que se realiza pela primeira vez este ano, num esfoço para dar maior transparência ao processo.

É da “diplomacia preventiva”, de conflitos e das suas consequências, das catástrofes e das alterações climáticas, dos efeitos do desenvolvimento não sustentável que Guterres fala, um conceito usado por quase todos os candidatos. “A prevenção não deve ser uma prioridade, mas sim ‘a’ prioridade”, afirmou o ex-primeiro-ministro português, que saltou rapidamente do inglês para o espanhol e para o francês – numa demonstração das suas capacidades linguísticas.

Como expressou no seu documento de “visão”, enviado anteriormente à Assembleia Geral da ONU, Guterres espera, se for escolhido como sucessor de Ban Ki-moon, conseguir pôr em prática o que chama um “continuum para a paz”, uma arquitectura de paz que se funda no respeito dos direitos humanos, na manutenção e na construção da paz. “Agindo com humildade, sem dar lições a ninguém, o secretário-geral deve ser um intermediário honesto para a paz, um facilitador”, explicou.

“Os conflitos internacionais tornaram a liderança um conceito muito mais complexo”, sublinhou Guterres, que polvilhou as suas respostas aos embaixadores dos vários países-membros da ONU com memórias da sua experiência como governante, líder político ou dos seus dez anos à frente do ACNUR.

A nova complexidade não quer dizer que não se comprometa com a luta contra o terrorismo. “Temos um dever moral de erradicar o terrorismo”, afirmou. “Os nossos valores universais, reconhecidos por todos, exigem que confrontemos a radicalização, a intolerância, o extremismo.” E a diversidade, sublinhou, é a melhor maneira de o fazer.

Agenda feminina

Os Estados Unidos estão muito interessados em saber o que os candidatos a secretário-geral pensam relativamente à possibilidade do uso da força pelos capacetes azuis – fizeram essa pergunta a Guterres, tal como a Irina Bokova, a actual directora-geral da UNESCO, e a Igor Luksic, ministro dos Negócios Estrangeiros do Montenegro, que também se submeteram a este interrogatório nesta terça-feira.

“Tem de haver uma diferença entre um secretário-geral e um general. Um secretário-geral usa os seus bons ofícios, deve ter o respeito dos outros órgãos da ONU, mas não é um general”, respondeu já numa outra altura Guterres, espicaçado pela embaixadora da Hungria.

Perante os múltiplos casos de abusos sobre populações locais, e outras falhas gritantes da missão de proteger, Washington interessa-se também por saber se um futuro secretário-geral continuaria o que tem sido, essencialmente, uma grande inimputabilidade. “Os casos de exploração sexual devem ser punidos e as vítimas compensadas”, respondeu Guterres.

Grande parte das questões colocadas a António Guterres prenderam-se com as suas intenções relativamente à paridade – o desequilíbrio entre homens e mulheres nas Nações Unidas, sobretudo nos quadros dirigentes, é tudo menos exemplar – e também à distribuição de postos consoante os países e regiões. Numa altura em que existe uma campanha para eleger uma mulher secretária-geral – e a expectativa de que seja da Europa de Leste, Guterres atacou a questão com promessas muito claras.

“Se for secretário-geral, comprometo-me a produzir nos primeiros meses do meu mandato um calendário com objectivos e prazos bem definidos para uma agenda de paridade”, afirmou Guterres. “Assumo um compromisso total para atingir os 50/50”, afirmou, recordando que quando foi primeiro-ministro, tentou introduzir uma quota de 30% para as mulheres. “Não foi fácil, não foi possível atingi-la em todos os níveis, mas conseguimos alcança-la no nível de topo”, afirmou.

É isso que julga possível atingir na ONU: obter a paridade nos quadros dirigentes, nas posições mais altas. “Há um logo caminho a percorrer. Em 2015, ao nível dos representantes especiais e enviados, 84% eram homens. Andámos para trás”, afirmou.

Quanto ao uso e abuso de siglas na ONU – usadas por alguns dos embaixadores, seja em que língua for – Guterres, saltitando de língua em língua, de inglês para espanhol ou francês, confessou não gostar delas. “Digo aos meus colaboradores para não as usarem, não gosto, ninguém nos entende!”

Sugerir correcção
Ler 10 comentários