Sons do mundo e vozes alentejanas na Aurora da Criatura que enfim nasceu

Criada em Serpa, já deu muitas voltas para chegar aqui. A Criatura tem onze criadores vindos de lugares e estilos musicais diversos e Aurora, o seu disco de estreia, é lançado este sábado na Casa do Alentejo.

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A Criatura com o Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa DR/CRIATURA
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A Criatura em concerto nos Bons Sons de 2015 DR/CRIATURA
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Edgar Valente durante um concerto da Criatura DR/CRIATURA

Havia o grupo, faltava o disco. Pois já existe e chama-se, apropriadamente, Aurora. O símbolo de um nascimento, o raiar de um novo dia musical onde as raízes da música portuguesa se cruzam com sons de várias geografias e com as vozes do Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa. Estarão todos, os onze músicos que compõem o grupo (criadores da Criatura) e o coral alentejano, este sábado, na Casa do Alentejo, em Lisboa, às 22h, a apresentar ao vivo o seu disco de estreia.

A sua história? Começou em 2013, quando um jovem de 21 anos, Edgar Valente, decidiu largar uma carreira na comunicação (o curso que tirara) para se dedicar à música em exclusivo. Nascido na Covilhã, a 5 de Fevereiro de 1992, com familiares ligados ao fado (tio e avô), viveu no Algarve a partir dos 16 anos, onde fez um duo com uma rapariga a cantar em bares. Aos poucos, foi formando um grupo. Juntaram-se-lhe um guitarrista (João Aguiar), um percussionista Tiago Vicente), um baixista (Paulo Lourenço) e um baterista (Fábio Cantinho). Em quinteto, formaram uma banda funk a que chamaram Compotas (de “jam”), que até hoje se mantém activa e com a mesma formação.

Mas quando Edgar se candidatou a uma residência artística em Serpa (no Musibéria) tinha na mira outra coisa, que era já o embrião da Criatura. E ao quinteto foram-se juntando outros músicos, vindos de grupos e de áreas diversas (jazz, clássica, tradicional, pop, mas também do teatro e outras artes performativas) e de diferentes regiões do país: Eloísa d’Ascensão (que estava em Serpa numa residência de marionetas e se lhes juntou como cantora), Yaw Tembe (que toca trompete e instrumentos artesanais), Gil Dionísio (voz e violino), Ricardo Coelho (gaitas-de-foles, flautas, ocarina), Acácio Barbosa (guitarra portuguesa, guitarra campaniça, cavaquinho, acordeão) e Alexandre Bernardo (guitarra, cavaquinho e bandolim). No disco, somaram-se-lhe o histórico percussionista Rui Júnior e Tó Pinheiro da Silva, que fez as misturas e masterizações.

Um propósito maior

“O projecto era para ser mais electrónico”, diz Paulo Lourenço. Mas Edgar Valente explica por que não foi: “A minha vontade era viajar, estar com pessoas. Quando conheci o grupo coral, quando estou com eles, quendo vejo os ensaios, comecei a pensar: samplar? É porque na verdade isto sempre foi uma busca, mas para encontrar um propósito maior naquilo que estamos a fazer. E quando começo a escrever as letras percebo que aquilo não podia levar electrónica.” Isso também foi influenciado pelas músicas que iam ouvindo durante este processo. Ainda Edgar: “O Alexandre Bernardo, de Portimão, deu-me muitas referências para ouvir, da música tradicional. Só entrou como músico no fim. Como? Com uma guitarra, para o Pastor sem cajado. Pedimos-lhe para imaginar as malhas da altura, do Zeca, do Zé Mário Branco, e ele disse que estávamos com sorte porque ele tinha uma guitarra que era do Rui Pato, que foi dada ao pai dele. E gravou com ela.”

O som que ia nascendo do encontro entre os músicos que se iam reunindo em Serpa ia, entretanto, tomando forma. Gil Dionísio: “Eu toco violino e houve uma fase em que era, ainda sou, doido pelo Carlos Zíngaro. Ora quando ouvi as primeiras gravações que fizemos, virei-me para o Edgar e disse: isto parece a Banda do Casaco! E o Edgar: o que é isso da Banda do Casaco?” A reacção era verdadeira: Edgar nunca tinha ouvido falar do extinto e histórico grupo português. Mas mesmo dos nomes que conheciam, à medida que surgiam parecenças, afastavam-se. Queriam um som o mais original possível. Gil acrescenta: “O Edgar ouve electrónica, que eu não ouço, ele e o Paulo têm aquela cena do funk, o Ricardo, o gaiteiro, tem um som que é muito de Portugal, o Yaw é da Suazilândia e tem influências cada vez mais jazz, eu sou influenciado pelos Balcãs, estive um ano na Roménia…” Edgar: “E a Heloísa canta música mais oriental, e já teve uma banda de afro beat”.

Segundo álbum “pronto"

Antes estavam dispersos, diz Gil, mas agora estão quase todos concentrados em Lisboa, e com diversos projectos musicais. “Todos estamos em fases muito diferentes. Ainda ontem fiz uma banda com o Paulinho. De repente, parece que a Criatura também uma desculpa para olharmos para isto com seriedade e dizermos: é possível fazer isto. Apesar de ser difícil viver da música em Portugal.”

O futuro? Paulo Lourenço diz: “Já temos um segundo álbum quase pronto. Aliás, no espectáculo ao vivo há duas músicas que não estão no disco.” Uma é uma canção sobre a praxe. Mas há outras. Edgar: “A Bem bonda, por exemplo, é desta fase nova. Eu dei o impulso inicial, mas a vontade é isto ser cada vez menos meu e ser mais uma coisa de grupo. Isso já sucedeu quando estávamos em Óbidos a ensaiar para os Bons Sons. Eu tinha parte da letra escrita, com uma melodia, e de repente o pessoal agarra aquilo, a Isa escreve a parte dela, o Gil escreve a parte dele, as secções musicais juntam-se todas e em duas horas tínhamos essa canção nova feita, a Bem bonda. Que, a meu ver, é a música mais forte e a que traduz melhor a unidade do grupo, a nossa identidade.”

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