Carlos Costa diz que Governo recusou proposta de Bruxelas para a CGD
Governador do BdP argumentou que, fosse suspensão ou retirada do estatuto de contraparte, o resultado seria igual para o Banif.
A Comissão Europeia disse ao Governo que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) teria de ser resolvida caso viesse a absorver o Banif, o que levou o primeiro-ministro António Costa a deixar cair a solução, para preservar a instituição pública que é ainda o maior banco do país. Esta foi a versão que Carlos Costa foi apresentar nesta terça-feira sobre o tema na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif.
A integração do Banif na CGD, com recapitalização estatal prévia, foi colocada pelo actual executivo em cima da mesa do Banco de Portugal (BdP) dias depois de aquele assumir funções no final de Novembro de 2015. E só posteriormente as autoridades a submeteram à aprovação da Direcção-Geral de Concorrência Europeia (DGComp), que a chumbou com o argumento de que “a CGD se encontrava em reestruturação e sujeita a uma proibição de aquisições e que esta solução poderia ser considerada uma ajuda” pública. Para a Comissão Europeia, caso António Costa insistisse nesta hipótese, então a CGD teria de ser "resolvida” e “reestruturada” [o que implicaria uma abertura do capital por via do bail-in e mexidas drásticas no seu perímetro], o que o Governo apoiado pela frente de esquerda recusou.
A explicação foi dada nesta terça-feira por Carlos Costa durante a audição em São Bento, com o governador a garantir que o BdP não se teria oposto àquela iniciativa. Fora de questão, notou, esteve sempre a recapitalização do Banif por bail-in, através de um resgate por meios internos à instituição: accionistas, obrigacionistas e grandes depositantes. O cenário "foi logo afastado” pelo Governo e BdP “por colocar em causa a estabilidade financeira” e afectar os grandes depositantes, com mais de 100 mil euros. Mas este é o quadro que está em vigor desde 1 de Janeiro de 2016 e que um banco terá de adoptar antes de pedir ajuda pública.
Para Carlos Costa foi ainda ponderada a resolução, com um banco de transição do Banif (semelhante ao Novo Banco), mas Bruxelas voltou a colocar “reservas sérias”. O que impossibilitou que o Estado português ganhasse tempo e capacidade negocial para avançar com “a venda voluntária”. Na base da recusa esteve, segundo disse o governador, o cepticismo europeu à criação de um banco de transição devido às más experiências em Itália. E, ao contrário do Novo Banco, o Banif não dispunha, a 20 de Dezembro, de meios para enfrentar “choques” de confiança que levaram a uma venda rápida ao Santander.
Mas o período mais agitado da audição ficou marcado pelo debate em torno da retirada ou da suspensão do estatuto de contraparte ao Banif (impedimento para sempre ou temporário de financiamento junto do eurosistema). Palavras com significado semelhante, mas com nuances que fazem a diferença. A bomba atómica é decretada pelo BCE quando usa o termo “retirada” por o considerar inviável. Já a suspensão pressupõe uma interrupção temporária na ida ao BCE levantar fundos por se admitir que a instituição é recuperável.
Ora, na carta que o BdP enviou ao Governo a 17 de Dezembro, em nome do BCE, refere-se a uma suspensão, mas quer o Governo, quer Carlos Costa sempre mencionaram que Frankfurt ameaçou com a retirada ou a perda do estatuto de contraparte, o que impôs o fim do Banif. Depois de momentos de grande confusão, Carlos Costa lá acabou por explicar que com suspensão ou retirada o resultado seria igual, pois na segunda-feira, 21 de Dezembro, o Banif não abriria as portas pois não tinha condições para continuar a actividade. A discussão levou João Almeida, deputado do CDS, a observar: “Foi então o BdP que decidiu o fim do Banif.”
Logo no início da sua intervenção, o governador justificou a nacionalização do Banif (onde o Estado arrisca perder mais de 3000 milhões), com 4% de quota de mercado e o sétimo maior banco do sistema, pelo seu “papel singular no financiamento da economia” dos Açores e da Madeira, razão pela qual “a interrupção dos serviços teria impactos graves nessas regiões”. E evocou que as duas hipóteses equacionadas em 2012, a resolução (teria custado mais de 6000 milhões) e a liquidação (mais de 7000 milhões), não só teriam implicado maiores custos para os contribuintes, como apresentavam grandes riscos nomeadamente na confiança dos depositantes e punham em causa o ajustamento macroeconómico em curso.