Dilemas europeus de Portugal
Portugal pode e deve ter uma palavra na discussão sobre o futuro da governação da Zona Euro.
Portugal e a UE encontram-se numa encruzilhada crítica. Para Portugal, sobretudo, a forma como a UE e a Zona Euro em particular vierem a resolver os seus atuais dilemas mostra-se algo de absolutamente decisivo. A esta luz, é essencial pensar criticamente nas formas que pode assumir uma participação significativa de Portugal nas discussões que conduzam a novas evoluções europeias (por desesperantemente lentas que estas muitas vezes possam parecer).
Seja-nos aqui permitida uma declaração de princípio inicial: Não subscrevemos a ideia de que um Estado de média dimensão (Portugal não é um pequeno Estado no quadro da UE), conquanto institucionalmente fragilizado por uma recente resgate externo, seja irrelevante nas grandes discussões europeias que temos pela frente. A margem é estreita mas existe. Em contrapartida, é crucial que saibamos afastar a tentação de iniciativas e discursos políticos conjunturais que possam agravar a perceção europeia e internacional da ‘fragilidade’ Portuguesa associada a esse resgate.
Na Zona Euro em que, como destacou recentemente Piketty, a França, a Espanha e a Itália representam mais de 50% da população face à Alemanha com pouco mais de 25%, algo pode e deve mudar em termos de governação económica a partir de 2017. É certo que um dos eixos sustentadores da integração europeia ao longo das últimas décadas – o eixo franco-alemão – entrou em ‘panne’ com a crise do Euro e com os desequilíbrios crescentes entre o peso das economias da França e da Alemanha, mas, ou este eixo será recuperado sob novas formas, ou novas geometrias e dinâmicas institucionais irão interagir com a Alemanha no sentido de algum movimento reformista. Por ora, com eleições na França e na Alemanha em 2017 é improvável que iniciativas significativas de reforma possam ver a luz do dia. Em contrapartida, após essas eleições francesa e alemã de 2017, e num cenário em que o referendo do Reino Unido não conduza a mais desagregação europeia, algo de novo tenderá a emergir em matéria de governação da Zona Euro (face ao impasse em que esta mergulhou na sequência da famosa proclamação de Draghi, de 2012, prometendo fazer “whatever it takes” para salvar a moeda única, a qual evitou a implosão da Zona Euro e muito contribuiu para uma certa ‘levitação’ sobre o precipício da crise das dividas públicas de economias como a Portuguesa).
Essa proclamação não foi, como é sabido, seguida de reformas consequentes da governação económica e envolvendo fórmulas equilibradas e politicamente aceitáveis de algum grau de mutualização do risco na Zona Euro. Não é difícil antecipar que, a partir do momento em que uma inevitável discussão sobre novas reformas da Zona Euro seja retomada, dois modelos se vão confrontar. Simplificando, por razões de brevidade, estará em causa, por um lado, uma espécie de União “rules-based”, envolvendo mais transferências de soberania em matéria orçamental num contexto de compromissos de reforma económica passíveis de serem executados por via jurisdicional. Trata-se de um modelo sedutor para a Alemanha porventura indutor de passos no sentido de um orçamento limitado da Zona Euro e de um sistema comum de garantia de depósitos (embora seja mais dificilmente de conceber, por ora, a aceitação pela Alemanha de um mecanismo, mesmo que limitado, de mutualização de dívida). Encontrar-se-á em causa, por outro lado, um modelo que os Alemães tendem a ‘caricaturar’ como uma espécie de “transfer union”, com reforço de mecanismos de assistência financeira permanente às economias em dificuldades do Euro. Com o tempo, uma realidade intermédia entre estas duas visões extremas poderá emergir, sobretudo resultando de visões consequentes e estruturadas que um bloco maioritário (França-Itália-Espanha) possa discutir com a Alemanha.
Portugal pode e deve ter uma palavra nessa discussão sobre o futuro da governação da Zona Euro, com propostas técnicas (razoáveis) no momento politico apropriado. Num contexto em que 2016 tenderá a corresponder a um ano de parênteses num possível movimento de reforma da Zona Euro, importa que Portugal prepare estrategicamente o seu posicionamento em futuras discussões sobre os formatos de governo económico da Zona Euro. Para tanto, é fundamental que não delapide o seu capital de intervenção institucional na UE, ainda frágil no período pós-resgate, em querelas secundárias e de curto prazo. Importa também que o país reforce tanto quanto possível, entretanto, a sua posição económica com algumas reformas em matérias cobertas pelas críticas do recente Relatório da Comissão relativo a Portugal no quadro do procedimento de prevenção de desequilíbrios macro-económicos (por exemplo em matéria de barreiras regulatórias e administrativas ao investimento das empresas ou de eficiência energética). Será igualmente importante assegurar pelo menos um princípio de viragem macro-económica, o qual depende de um aumento, por todas as vias possíveis, do investimento público (cujo grau extremamente reduzido, incluindo no orçamento de Estado agora aprovado, tem vindo a ser destacado pelo Conselho de Finanças Públicas).
Num período em que extremas dificuldades de gestão politica se combinam com extremas dificuldades de gestão económica será essencial, contudo, transcendê-las para chegar na melhor posição às próximas discussões sobre a reforma da governação do Euro onde o futuro de Portugal para a próxima década se vai jogar.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, advogado