Ministério Público diz que reitor tentou salvar curso de Relvas com “desvio de poder”
Despacho do actual reitor da Lusófona, Mário Moutinho, de Dezembro de 2012, valida a avaliação do ex-ministro a uma cadeira, com uma alteração retroactiva feita nesse mês, de um regulamento de 2006.
Além de tentar invalidar a licenciatura atribuída pela Universidade Lusófona ao ex-ministro Miguel Relvas, em Outubro de 2007, o Ministério Público ataca de forma violenta um despacho do actual reitor da instituição, Mário Moutinho, que, em Dezembro de 2012, tentou salvar o diploma de Relvas, ao validar a avaliação de uma cadeira feita pelo menos cinco anos antes.
O Ministério Público diz que o despacho, que aprova uma alteração retroactiva do Regulamento Pedagógico do curso de Ciência Política, “é ilegal e padece de desvio de poder, violando também os princípios da legalidade, da imparcialidade e da igualdade”. Considera, por isso, o acto reitoral nulo, “por visar a sanação de acto nulo, o que não é permitido por lei”.
O despacho foi proferido por Mário Moutinho em resposta a uma auditoria realizada no Verão desse ano pela Inspecção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) a pedido do então ministro da Educação, Nuno Crato, e que detectou várias irregularidades na forma como foi atribuído o diploma a Relvas. Cinco anos após o antigo governante ter obtido a licenciatura, a Lusófona voltou a aprová-lo, numa altura em que Relvas ocupava o cargo de ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares.
A informação consta de um despacho proferido esta quinta-feira pela juíza Isabel Portela Costa, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que remete a questão formal de saber se a licenciatura de Relvas é nula ou apenas anulável para a sentença, que ainda não tem data marcada. No despacho, a que o PÚBLICO teve acesso, a juíza faz um resumo dos argumentos usados pelo Ministério Público na acção que intentou, no Verão de 2013, para invalidar a licenciatura de Relvas em Ciência Política e Relações Internacionais.
Até agora, apenas se sabia que o Ministério Público pedia a declaração de nulidade da licenciatura de Miguel Relvas, já que a juíza do processo recusou autorizar os jornalistas a consultar os autos. No despacho desta quinta-feira, com seis páginas, metade delas resumem a posição do Ministério Público neste caso. E revelam que a procuradora titular pede a nulidade de quatro actos da Lusófona: um despacho do director do curso de Ciência Política a determinar os créditos atribuídos a seis cadeiras, a avaliação da disciplina de Introdução ao Pensamento Contemporâneo, a atribuição da licenciatura e o despacho do reitor de Dezembro de 2012.
O Ministério Público explica que, normalmente, o curso que Relvas tirou tinha a “duração normal de seis semestres, conferindo o grau de licenciado, sendo necessário reunir, segundo o sistema europeu de transferência de créditos, 180 créditos”. Destes, 150 dizem respeito a cadeiras obrigatórias e 30 a opcionais. No caso de Relvas, 160 créditos foram atribuídos com base na experiência e formação do antigo governante. Relvas apresentara àquela universidade um currículo que incluía ter sido consultor de várias empresas, várias vezes deputado na Assembleia da República e presidente da assembleia geral da Associação de Folclore da Região de Turismo dos Templários, entre outras actividades e cargos.
Em 2006, o então reitor da universidade (e também director do curso), Fernando dos Santos Neves, e outro professor, José Feliciano, doutorado em Antropologia Social, entenderam que o percurso profissional de Relvas valia 160 dos 180 créditos necessários para fazer a licenciatura de Ciência Política. Pelo que o aluno só teria de fazer quatro das 36 cadeiras do plano de estudos da licenciatura. Em pouco mais de um ano, Relvas conseguiu o grau de licenciado.
O Ministério Público considera que uma parte dos créditos atribuídos com base na experiência profissional são nulos por “ininteligibilidade e impossibilidade do objecto” porque, entre outros motivos, foram atribuídas equivalências a cadeiras que não funcionaram naquele ano lectivo de 2006/2007 e não integravam o plano de curso da licenciatura. “Entende, assim, o Ministério Público que o acto de atribuição do grau de licenciado a Miguel Relvas é nulo por não se ter atingido o mínimo de créditos legalmente exigidos”, resume a juíza Isabel Portela Costa.
O Ministério Público também considera que a avaliação da disciplina de Introdução ao Pensamento Contemporâneo é nula, “por falta de um elemento essencial”. Esta foi a cadeira a que o ex-ministro obteve 18 valores, nota atribuída pelo então reitor com base numa discussão oral com Miguel Relvas a partir de sete artigos de jornal, da autoria do próprio Relvas, publicados em diferentes órgãos de comunicação social entre 2003 e 2006. O despacho sublinha que a discussão oral foi feita perante Santos Neves e “não perante o docente responsável pela turma em que o aluno estava inscrito”.
É a forma como é feita a avaliação desta disciplina, contrariando o que se encontrava então estipulado tanto nos estatutos da Lusófona, como no Regulamento de Avaliação de Conhecimentos daquela universidade, que obrigaram o actual reitor a tentar validar a cadeira e os créditos que esta atribuiu. Este tipo de avaliação surgiu no Regulamento Pedagógico do curso de Ciência Política, que fora aprovado apenas por Santos Neves, na sua qualidade de reitor, e não pelo órgão competente, o Conselho Pedagógico do Curso de Ciência Política. Este organismo acaba por fazê-lo de forma retroactiva em Dezembro de 2012.
Contactada pelo PÚBLICO, a Lusófona não fez qualquer comentário ao despacho judicial.