Governo apoiado pela ONU chega à Líbia para tentar "reconciliação nacional"

Executivo de unidade nacional tem como objectivo unificar um país mergulhado no caos e combater a ameaça crescente do Estado Islâmico.

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Fayez Sarraj, o primeiro-minsitro do terceiro governo da Líbia, à chegada a Tripoli AFP

Membros do governo de unidade nacional para a Líbia, apoiado pelas Nações Unidas, chegaram de barco a Trípoli na quarta-feira, com o objectivo de superar a cisão entre duas autoridades rivais e unir o país, em risco de colapso. Uma comitiva de sete pessoas, incluindo o líder e futuro primeiro-ministro, Fayez Sarraj, chegou à base naval de Abusita, na capital, proveniente da Tunísia, sob fortes medidas de segurança. A viagem foi feita de barco porque o espaço aéreo sobre Trípoli esteve encerrado, numa tentativa para evitar a chegada do grupo.

A formação deste governo foi mediada pelas Nações Unidas, e um acordo entre diferentes facções políticas foi assinado em Dezembro, em Marrocos, com o objectivo de acabar com o impasse político no país, onde coexistem dois governos e dois parlamentos, bem como combater a ameaça crescente dos jihadistas do autodesignado Estado Islâmico (EI). O novo executivo foi formado na Tunísia e só agora chegou à Líbia, continuando a não ser reconhecido por nenhum dos dois executivos que deveria substituir.  

“Temos vários desafios à nossa frente, incluindo unir os líbios e remediar as divisões no país”, disse Fayez Sarraj à Reuters. Mais tarde, divulgou um comunicado onde promete anunciar nos próximos dias um programa de governo. “Vamos trabalhar para um cessar-fogo em toda a Líbia, para uma reconciliação nacional, para o regresso das pessoas deslocadas, e vamos procurar enfrentar o Estado Islâmico”, afirma.

A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, pediu aos líbios que colaborem com Sarraj. “A chegada do conselho presidencial à capital representa uma oportunidade única para os líbios de todas as facções se reunirem e se reconciliarem”, disse Mogherini, citada pelo jornal britânico Guardian. A União Europeia ofereceu 100 milhões de euros como incentivo ao novo governo, caso este consiga o consenso entre as duas autoridades rivais, e o enviado especial dos Estados Unidos para a Líbia, Jonathan Winer, reiterou que o país poderá contar com a ajuda de Washington.

Já o enviado especial das Nações Unidas, Martin Kobler, saudou a chegada do novo executivo e reafirmou a disponibilidade da comunidade internacional para “fornecer o apoio e assistência” necessários para a segurança da Líbia.

Contudo, a chegada de Fayez Sarraj à Líbia não foi propriamente pacífica, em especial na capital, Trípoli, onde a situação é bastante tensa. Horas antes da chegada da comitiva, registaram-se confrontos entre milícias rivais, que fizeram um morto e três feridos. E uma estação de televisão, próxima do governo instalado em Trípoli, foi invadida e acabou por ser retirada do ar, alegadamente por apoiantes do novo executivo.

Nesta quinta-feira, a situação na cidade era mais calma, mas as agências contam que Sarraj passou a noite na base naval e não há ainda certezas sequer onde irá ficar sediada no imediato a sua administração.

Um país mergulhado no caos

Com a queda de Muammar Khadafi em 2011, nenhuma autoridade conseguiu ainda controlar a totalidade do território líbio e são cada vez mais os que alertam para o risco de o país se transformar num Estado falhado. Desde 2014, coexistem na Líbia dois governos e dois parlamentos rivais – um sediado em Trípoli e outro no extremo Leste do país, em Tobruk –, ambos apoiados por milícias armadas. O governo de Trípoli foi formado depois de uma aliança de milícias, algumas islamistas, ter invadido a capital, forçando o Parlamento saído das últimas legislativas a mudar-se para o Leste, onde se mantém desde então sob a alçada de um executivo "transitório" que foi reconhecido internacionalmente.

Alarmados com a possibilidade de o país se tornar um novo feudo do EI, europeus e norte-americanos, com o apoio da ONU, apostam nesta nova administração para unir o país. Mas apesar de o acordo político em Marrocos ter sido assinado por facções políticas representadas nos dois parlamentos, Sarraj continua a enfrentar a oposição dos dois governos rivais. E sobre a sua administração pesa ainda o argumento da falta de legitimidade: para ser oficialmente investido, deveria ter sido aprovado pelo parlamento sediado em Tobruk, mas após várias tentativas fracassadas para realizar a votação entrou em funções a 12 de Março, suportado apenas por um comunicado assinado por uma centena de deputados (de um total de 198).  

“Eles entraram no país pela força, sob protecção estrangeira, e os líbios não vão aceitar seja o que for que lhes seja imposto pela força”, afirmou um porta-voz do presidente do Parlamento de Tobruk, Aguila Saleh, considerando “prematura” a chegada de Sarraj. Mais contundente, Khalifa el-Ghweil, chefe do executivo sediado na capital, avisou que “aqueles que entraram ilegalmente ou clandestinamente no país deverão sair”. Estes dois responsáveis, juntamente com o presidente do parlamento de Trípoli, Nuri Abu Sahmein, vão ser alvo de um conjunto de sanções decididas nesta quinta-feira pela UE, que os acusa de "obstrução" ao trabalho do novo executivo.

Não será, por isso, fácil obter o consenso necessário para que a nova administração entre de facto em funções. Wolfam Lacher, especialista na Líbia do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP) explicou ao jornal New York Times que as alianças políticas no país são muito instáveis e que as esperanças que Ocidente deposita nesta solução são frágeis, tendo em conta a incerteza actual. “Existem grandes dúvidas relativamente à forma como o outro lado vai reagir. Não acho que eles [os outros dois governos] queiram entrar em confronto, mas, se isso acontecer, será terrível para o governo de unidade nacional”, disse o especialista ao New York Times.

Para além da instabilidade política, a Líbia enfrenta a ameaça crescente dos extremistas do EI. Os jihadistas controlam um vasto território no litoral do país, onde também prolifera o contrabando de refugiados que ambicionam chegar à Europa para fugir aos conflitos na região. O grupo tem aproveitado a situação caótica para alargar a sua influência no país, e a cidade natal de Khadafi, Sirte, já é o seu reduto militar mais importante fora da Síria e do Iraque. 

Texto editado por Ana Fonseca Pereira

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