Pedra a pedra, assim se remonta a estrutura que ruiu no castelo de Beja

À força de braços e de cadernais, quase meio milhar de blocos de mármore, com pesos que variam entre 300 e 500 quilos, retomam o seu lugar no varandim da torre de menagem mais alta da Península Ibérica.

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Canteiros do século XXI estão a reerguer pedra a pedra o varandim que contorna a torre de menagem do castelo de Beja, construída no século XIV. A única maneira de fazer este trabalho é como se fazia na altura da sua construção. “Todas as pedras são colocadas com recurso a cadernais e à força de braços”, explica João Paulo, um dos técnicos da empresa a quem foi adjudicada a recuperação da estrutura. 

João Paulo, que acompanhou o PÚBLICO na observação dos trabalhos que estão a decorrer a uma altura superior a 30 metros, mostra um dos elementos que mais contribuíram para o colapso da estrutura: a oxidação de pequenas peças fabricadas em ferro (chamadas “gatos”) que ligavam as pedras entre si. Estes elementos “aumentaram várias vezes o seu volume e provocaram deslocações nos blocos” e o colapso da estrutura foi o desfecho inevitável.

Quando o balcão ruiu na tarde de 13 de Novembro de 2015, a directora regional de Cultura do Alentejo, Ana Paula Amendoeira, encontrava-se numa reunião da UNESCO. E a informação que lhe foi transmitida não era tranquilizadora: a restante estrutura poderia entrar igualmente em derrocada. Paula Amendoeira pediu a João Paulo, que estava a trabalhar na recuperação da Igreja de S. Francisco, em Évora, para se deslocar com urgência ao castelo de Beja.

Assim que o técnico observou o grau de instabilidade da estrutura, do cimo de uma escada Magirus, não escondeu a sua preocupação: “Isto vai cair tudo. Está tudo com fendas”, foi a primeira reacção comunicada a Paula Amendoeira, que pediu um relatório preliminar para uma intervenção de emergência. O documento centra as causas do ocorrido na corrosão dos gatos em ferro e que “terão sido introduzidos ou na construção ou em restauros antigos”, deduzindo que a situação estava generalizada a todo o varandim. E aponta para a necessidade “imediata” da instalação de uma estrutura metálica do tipo andaime envolvendo a torre, que “previna o colapso eventual de elementos instáveis”.

A vistoria que o geólogo Delgado Rodrigues, investigador-coordenador do LNEC, efectuou à zona afectada pela derrocada confirma que “o colapso terá tido como causa remota a instalação de elementos em ferro no interior da construção” e que “as deformações continuam activas, pelo que se deve esperar que os mecanismos de instabilização possam conduzir a novos acidentes”. Algumas das intervenções “não foram feitas há muito tempo”, conclui Delgado Rodrigues, realçando as que foram realizadas “nos anos 30/40 do século passado, durante o Estado Novo.”

Aníbal Costa, do departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, e o arquitecto José Filipe elaboram pareceres técnicos com vista a uma intervenção de emergência. De início, os trabalhos de recuperação previam uma intervenção apenas na esquina que colapsou, mas rapidamente se verificou que tinha de se desmontar tudo em redor da torre.

A solução preconizada defendia a substituição dos elementos fracturados e o tratamento com biocida e herbicida das superfícies exteriores da torre. Os pareceres propunham ainda uma “urgente intervenção” na escada em caracol no interior da torre de menagem, por ser evidente o “risco de derrocada”.

Antes da queda “eram patentes os sinais de que algo não estava bem”, acentua João Paulo, referindo as “burradas” que foram cometidas ao longo dos séculos, nos trabalhos de manutenção realizados na torre.
Desta vez, todos os gatos de ferro serão substituídos por elementos em aço inox. E antes da colocação dos blocos de mármore, que no total representarão uma carga de 160 toneladas, foi necessário furar 36 cachorros (pedras que suportam o balcão) numa extensão de três metros e penetrar na alvenaria da torre 1,5 metros para colocar tubos de aço inox de alta resistência ao esforço e à corrosão.

Concluiu-se que os cachorros suportavam uma carga muito elevada para a sua capacidade de resistência. “As pedras (cachorros) partiram pela carga que suportavam. Bastava que uma se partisse para as outras irem atrás”, observa João Paulo.

Quando as obras estiverem concluídas, em Maio próximo, a Câmara de Beja, que é a entidade responsável pela manutenção da torre de menagem com base num auto de cessão assinado em 1939, terá investido cerca de 320 mil euros nos trabalhos.

Depois de concluídas as obras, João Rocha (CDU), presidente da autarquia, diz que já estão programadas “intervenções nos troços das muralhas” que circundam o centro histórico da cidade e que ameaçam derrocada. Estão ainda em curso os trabalhos de construção de um museu de arqueologia e a criação de um roteiro pelos principais monumentos históricos de Beja, para promover a “riqueza patrimonial e arqueológica” de uma comunidade “com 2000 anos de história”, justifica o autarca.

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