De Molière a Shakespeare, num cenário de noites brancas

Programação dos próximos quatros meses do Teatro Nacional São João acolhe oito estreias e perto de duas dezenas de espectáculos.

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O Misantropo, de Molière DR
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A Despedida, coprodução TNSJ/Mundo Razoável Pedro Almendra
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Cenário de Casas Pardas, na exposição Noites Brancas João Tuna
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Espólios, coprodução TNSJ/Teatro do Vestido João Tuna

Começa com Molière e vai até Shakespeare, mas, durante os próximos quatro meses, pelos vários palcos do Teatro Nacional São João (TNSJ) vão passar também Dostoievski, Ibsen e Genet, Fernando Mendes Pinto e Eça de Queirós, além de autores mais contemporâneos, desde o egípcio Albert Cossery aos portugueses Marta Freitas, Joana Craveiro e João Samões.

A programação de Primavera do teatro nacional portuense, apresentada esta quinta-feira, vai abrir a 7 de Abril com O Misantropo, de Molière, uma coprodução com o Ao Cabo Teatro (Porto), o Teatro São Luiz (Lisboa), o Centro Cultural Vila Flor (Guimarães) e o Teatro Viriato (Viseu).

Trata-se da primeira incursão de Nuno Cardoso no mundo do grande dramaturgo francês, numa leitura “alternativa” deste texto estreado em 1666, e que o encenador lê como “uma reflexão sobre os limites extremos da razão e da análise de uma sociedade frívola, com os seus jogos de influência, nepotismos, corrupção”. Algo que “não tem nada a ver com os dias de hoje, como lemos nos jornais”, ironizou Nuno Cardoso perante uma plateia cheia no salão nobre do São João.

A apenas uma semana da estreia, o encenador confessou que este “é um espectáculo difícil”, que está ainda a ser “cozinhado” com o objectivo de “fazer justiça” à escrita de Molière.

O Misantropo é uma das oito estreias que Nuno Carinhas, director artístico do TNSJ – cargo que vai continuar a ocupar por mais um mandato, até 2018, após convite da Secretaria de Estado da Cultura para o efeito –, anunciou até às férias de Verão, num calendário que apresenta 17 espectáculos, além de exposições, tertúlias, performances, seminários e leituras, entre o palco do teatro-mãe na Praça da batalha, o Teatro Carlos Alberto (TeCA) e o Mosteiro de São Bento da Vitória (MSBV).

Os claustros do velho mosteiro vão ser, de resto, o cenário da exposição Noites Brancas (30 de Abril), que irá documentar e recordar “a impossível vizinhança de fragmentos coreográficos de espectáculos encenados por dois directores artísticos da casa”  o próprio Nuno Carinhas e Ricardo Pais , através de figurinos, adereços, projecções vídeo, fotografias de cena e cartazes.

De regresso às estreias, teremos A Despedida (TeCA, 8 de Abril), coprodução com a Mundo Razoável, com texto e encenação de Marta Freitas. Segundo espectáculo sobre o tema da despedida – depois de Luto Embalsamado –, este será “uma peça cinematográfica, a preto-e-branco, que começa num cemitério, numa noite tempestuosa, com dois irmãos a jogar vólei sobre a campa da mãe” – ou “uma viagem ao país distante da infância”, como o apresentou a autora.

Já em Maio (TeCA, dia 5), outra jovem autora e encenadora, Joana Craveiro, estreia Espólios, inspirada num estudo antropológico de Daniel Miller, intitulado Stuff. Será “um espectáculo sobre a intimidade das casas a partir dos objectos que as preenchem”, diz o Teatro do Vestido, coprodutor com o TNSJ.

Um regresso ao palco da Praça da Batalha (12 de Maio), passada mais de década e meia sobre coproduções anteriores, será o da Seiva Trupe, que aí apresentará uma peça de “um dos pioneiros do teatro moderno mundial”, na definição de Júlio Cardoso. Trata-se de Espectros (1881), de Henrik Ibsen, com encenação e cenografia de João Mota, que assim regressa também à colaboração com a histórica companhia portuense depois Eu sou a minha própria mulher, de Doug Wright (2010). Júlio Cardoso confessou que “uma certa timidez” justifica a atraso neste regresso da Seiva Trupe ao TNSJ, com quem tinha produzido, na viragem do século, duas peças que “fizeram história”: Péricles, Príncipe de Tiro, de Shakespeare; e Amadeus, de Peter Schaffer.

A peça também histórica de Ibsen será agora a oportunidade para entrar de novo numa visão da vida como “uma secreta conformidade do bem e do mal, verdade e mentira, tragédia e comédia”, diz a Seiva Trupe.

Outro clássico, outra estreia: As Criadas, de Jean Genet, desta vez numa encenação de Simão do Vale, a trabalhar sobre a primeira tradução portuguesa da peça, feita por Luísa Costa Gomes. “Jean Genet é uma mistura estranha de sensibilidade, inteligência e agressividade”, disse o encenador, que com esta coprodução com a associação Subcutâneo quis “pegar na palavra” de um autor e de uma peça que, “mais do que da liberdade, trata da libertação de duas raparigas” perante a sua Senhora.

“Descolonizar o corpo e o espírito” é ainda o tema do texto do escritor egípcio Albert Cossery (1913-2008), de quem João Samões está a encenar Hotel Louisiana Quarto 58 (TeCA, 26 de Maio). O encenador chama-lhe “um livre-pensador” e considera-o um dos vultos da literatura do século XX; e prepara aqui um monólogo para a actriz Joana Bárcia, que depois será igualmente apresentado no Festival de Almada.

À imagem dos últimos anos, os palcos do TNSJ acolherão vários espectáculos do FITEI [Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica]. Do programa, o director artístico Gonçalo Amorim, também encenador do TEP [Teatro Experimental do Porto], antecipou a sua leitura da nova produção desta companhia, Nunca Mates o Mandarim (TNSJ, 15 de Junho), a partir da novela de Eça de Queirós: “É uma parábola sobre como não fazer o caminho mais curto, como não atalhar caminho; é o Fausto 'à portuguesa', um Fausto disfórico, uma moralidade profana, que serve que nem uma luva aos séculos XX e XXI”, disse o encenador, que falou também da sua luta ideológica contra “aquilo que vamos observando no mundo”, e se colocou “do lado oposto do mercantilismo”, dando, como exemplo, o modo como a cidade do Porto está a ser tomada pelo turismo.

Até que se chegará ao Rei Lear (TNSJ, 30 de Junho). É uma coprodução do Ensemble – Sociedade de Actores com o teatro nacional portuense e o Teatro Municipal de Bragança, e marca nova colaboração daquela companhia com o encenador Rogério de Carvalho.

A actriz Emília Silvestre explicou que esta produção responde a um desafio do próprio encenador, que terá aqui a sua primeira experiência com Shakespeare – depois de um trabalho com estudantes de teatro sobre o Hamlet. E leu uma declaração de Rogério de Carvalho, em que este apresenta Rei Lear como “um autêntico pantanal, uma história de territórios e corpos”.

Fora estas estreias, entre reposições e digressões uma dezena de outros espectáculos vão passar pelos palcos do TNSJ. E a expectativa é a de que eles mobilizem um público cada vez mais vasto – fazendo o balanço do ano passado, Francisca Carneiro Fernandes, presidente da administração do teatro, disse que foram registados 104.690 espectadores, número que significa um crescimento de 11% relativamente a 2014; e uma taxa de ocupação das salas de 77%.

Mas o TNSJ quer também mobilizar a cidade para o aspecto exterior das suas casas. Assim, lançou o desafio público para a renovação da fachada do Teatro Carlos Alberto através de uma intervenção artística que contará com o apoio da autarquia, no âmbito das acções de arte pública da cidade. As inscrições estão abertas até 31 de Maio, e a intervenção realizar-se-á nos meses de Agosto e Setembro.

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