Hollande forçado a recuar na retirada da nacionalidade a terroristas

Caiu por terra a revisão constitucional que o Presidente francês prometeu após os atentados de Novembro em Paris e reforça-se a imagem de um líder fraco e hesitante. Sondagens mostram que não terá hipóteses de ir à segunda volta, se decidir recandidatar-se em 2017.

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Hollande desistiu da reforma ao fim de quatro meses de acesas discussões Stephane de Sakutin/AFP

Incapaz de obter consenso político para a controversa intenção de retirar a nacionalidade aos cidadãos franceses condenados por terrorismo, o Presidente François Hollande desistiu da reforma da Constituição que ele próprio tinha apresentado como resposta aos atentados de Novembro em Paris. Culpou a oposição, mas não consegue escapar aos estragos que este falhanço causa na sua imagem e nas suas eventuais ambições eleitorais para 2017.

“Decidi, depois de me reunir com os presidentes da Assembleia Nacional [onde a esquerda está em maioria] e do Senado [dominado pela oposição de direita], encerrar o debate constitucional”, anunciou o líder socialista numa breve declaração ao país.

Para ser adoptada, a revisão, que previa também a inscrição na Constituição do estado de emergência (em vigor desde os atentados) teria de ser aprovada por maioria de dois terços tanto na Assembleia Nacional como no Senado. Mas após quatro meses de debates e discussões acesas, as duas câmaras adoptaram textos divergentes e os partidos foram incapazes de chegar a consenso para adoptar um texto comum.

Foi no Partido Socialista que surgiu maior oposição à retirada da nacionalidade a cidadãos nascidos em França que fossem condenados por terrorismo. Na prática, essa norma só se poderia aplicar aos franceses descendentes de estrangeiros, uma vez que a lei internacional proíbe os Estados de imporem sanções que tornem apátridas os seus cidadãos.

Medida simbólica

O efeito desta pena seria essencialmente simbólico. Não há números oficiais, mas dados do Instituto Nacional de Estudos Demográficos, relativos a 2008, citados pelos media franceses, apontam para que apenas 5% da população com idade entre os 18 e os 50 anos, ou cerca de três milhões de cidadãos, tenha dupla nacionalidade – mas ignora-se quantos sejam franceses por nascimento.

Entre os terroristas que atacaram França nos últimos anos, só dois tinham dupla nacionalidade: Mohamed Merah e Abdelhamid Abaaoud, o cabecilha dos atentados de Novembro em Paris. Mas este último era belga-marroquino, o que impossibilitaria a aplicação desta medida. Salah Abdesalam, que sempre viveu na Bélgica, é apenas francês, embora a sua família tenha origem em Marrocos.

A polémica levou no entanto à demissão a 27 de Janeiro ministra da Justiça, Christiane Taubira, a última representante da ala mais à esquerda do PS no Governo. A 10 de Fevereiro, os deputados da Assembleia, onde o Partido Socialista tem maioria, adoptaram uma versão da lei que permitiria retirar a nacionalidade a todos os franceses, e não apenas aos que têm duas nacionalidades.

No entanto, para evitar a criação de apátridas – algo proibido ao abrigo à luz das convenções internacionais –, haveria uma remissão para a legislação comum, que integra essa proibição, explica o Le Monde. Seria apenas um artifício legal, para preservar, de forma aparente, a igualdade entre todos os franceses na Constituição.

Além disso, a aplicação da medida era alargada não apenas aos condenados por crimes de terrorismo, mas também aos considerados culpados de delitos associados ao terrorismo – cúmplices de actos terroristas ou apologistas do terror, por exemplo.

Só que na fase seguinte de aprovação, no Senado, onde há uma maioria de direita, os senadores produziram uma versão muito mais estrita. O documento aprovado a 22 de Março diz claramente que a privação da nacionalidade só pode ser aplicada a alguém “que disponha de uma outra nacionalidade para além da francesa”.

O Presidente Hollande, que tinha defendido esta reforma num discurso solene no Congresso a 16 de Novembro, três dias depois dos atentados que mataram 130 pessoas no centro da capital, reconheceu a impossibilidade de fazer coincidir os textos aprovados pela Assembleia e pelo Senado. “Vai reforçar a sua imagem de Presidente que não é determinado, que tem falta de autoridade, cujas mãos tremem”, disse à Reuters Frederic Dabi, da empresa de sondagens Ifop.

Mas Hollande tentou atribuir culpas pelo fracasso político ao partido Republicanos – encabeçado por Nicolas Sarkozy, ex-Presidente e previsível candidato da direita às eleições de 2017 – acusando-o de “ser hostil a qualquer revisão constitucional”. O Presidente lamentou que não tenha sido possível “ultrapassar as fronteiras partidárias” para dar uma resposta coesa a uma ameaça que, disse, “se mantém mais elevada do que nunca”, como provaram os atentados da semana passada em Bruxelas.

Sondagem implacável

Como Hollande encaixará esta derrota nos seus planos políticos é ainda uma incógnita – ele mantém o mistério sobre se planeia recandidatar-se em 2017 ou não. “Ele já não se confia a ninguém. Está sozinho e acha que sabe tudo”, disse um dos seus “íntimos” no Palácio do Eliseu ao Le Monde, num artigo que, significativamente, trata do “isolamento” do Presidente após quatro anos de poder.

As perspectivas de reeleição de Hollande são más: uma sondagem do Le Monde, em colaboração com o Centro de Investigação Política Cevipof e a empresa Ipsos-Sofra Steria, mostra que tanto Hollande como Sarkozy são candidatos rejeitados pelos eleitores.

Sobretudo no caso de Hollande, que não consegue mais que 16%, e não parece ter quaisquer hipóteses de passar à segunda volta – porque é quase certo que terá de existir. Marine Le Pen, da extrema-direita, tem cerca de 26% das intenções de voto. Apenas 1% dos eleitores consegue dizer-se “muito satisfeito” com o Presidente, enquanto 43% confessa-se “muito insatisfeito” com Hollande.

Alain Juppé, do partido Republicanos tal como Sarkozy, é quem está melhor colocado no centro-direita; poderia obter 42%. O mais difícil é encontrar um candidato que una a esquerda, sobretudo num momento em que, como diz ao Le Monde a investigadora Anne Muxel, os novos eleitores (18-21 anos) “se posicionam hoje claramente mais à direita do que à esquerda”.

Segundo a sondagem, Martine Aubry, a maire de Lille, é a preferida para quem se define como sendo de esquerda. Para o centro-direita, o preferido é o ministro da Economia, Emmanuel Macron, um político em que mais facilmente votariam numa segunda volta. Mas para a esquerda e para a generalidade dos franceses, é o primeiro-ministro Manuel Valls que tem mais possibilidades de ganhar uma segunda volta – disputada, talvez, com Marine Le Pen.

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