Há mais pessoas a pedir ajuda por sofrerem agressões dos filhos
Relatório de 2015 da APAV é divulgado nesta terça-feira. Mostra que, por dia, quase três pessoas com 65 ou mais anos, três crianças e jovens e 14 mulheres são vítimas de crime ou de outra forma de violência.
Não é um fenómeno novo, mas no ano passado a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) lidou com mais casos de pessoas que tinham sido — ou eram ainda — alvo de alguma forma de agressão por parte dos filhos: 819, ou seja, mais de duas vítimas por dia.
Aliás, se tivermos em conta todas as relações de consanguinidade (avós, filhos, netos, pais/mães, irmãs/irmãos e outros familiares próximos), contabilizam-se perto de 2300 casos. É qualquer coisa como um quarto de todos os acompanhados pela associação, lê-se no relatório anual da APAV, referente a 2015, que será divulgado nesta terça-feira.
A face mais visível do trabalho da APAV é a violência conjugal — e percebe-se porquê: a violência nas chamadas “relações de intimidade” (envolvendo companheiros, maridos e mulheres, ex-maridos e ex-mulheres, namorados, actuais e antigos) representou 58,4% das situações com as quais a associação lidou. Mas também há cada vez mais relatos em que os filhos são apontados como agressores: 687 em 2013; 706 em 2014 e, como já se viu, 819 em 2015. Aliás, as situações em que os pais são agressores (1104) baixaram ligeiramente (7%), enquanto o número de agressores filhos subiu (16%).
João Lázaro, da direcção da APAV, admite que o grande factor que explica isto é a crescente sensibilização das pessoas — as campanhas a alertar para a violência contra os mais velhos, nomeadamente por parte de filhos e outros parentes próximos, estarão a surtir algum efeito e há mais gente a procurar apoio.
Bullying sobe 45%
Todos os anos, a APAV — uma instituição particular de solidariedade social, sem fins lucrativos — faz um relatório com o balanço da sua actividade, que se centra muito, mas não só, no apoio directo a quem é vítima de qualquer tipo de crime. Os números globais de 2015 são estes: foram apoiadas 9612 vítimas directas e contabilizados um total de 23.326 crimes (uma vítima pode ser ou ter sido alvo de vários crimes) ou outras formas de violência (o bullying, por exemplo, não está tipificado enquanto crime, mas é uma forma de violência).
Algumas médias calculadas no relatório: por dia, quase três pessoas com 65 ou mais anos, três crianças e jovens e mais de 14 mulheres, entre os 18 e os 64 anos, são vítimas de crime ou outra forma de violência. Isto tendo em conta apenas o número das que procuraram apoio na associação. Homens, são uma média de 2,1 por dia.
“De 2013 para 2015, registou-se um aumento superior a 8% no número de processos, crimes e outras formas de violência e vítimas”, prossegue o documento.
Alguns tipos de violência ganharam terreno: a chamada violência doméstica, de longe a mais frequente, subiu 10,6%, num ano. São quase 19 mil os crimes contabilizados. Os casos de stalking (445) subiram 30,5% — as vítimas de "assédio persistente", o termo português mais comum para stalking, são em geral mulheres, têm à volta dos 40 anos e um diploma superior. E os relatos de bullying (134) cresceram ainda mais: 46%. O perfil da vítima de bullying desenhado pela APAV é este: uma idade média de 18 anos, com predomínio das raparigas (52% dos casos), que apontam um colega de escola (em 60% dos casos) como autor das agressões.
Já os crimes de violação baixaram 38% (de 139 para 86) e os de abuso sexual de crianças sofreram pouca oscilação (de 106 para 102).
Relações gay
O relatório de 2015 contém algumas novidades. Uma delas é traçar, pela primeira vez, o perfil das vítimas de violência doméstica em casais de pessoas do mesmo sexo. A APAV atendeu 131 casos deste tipo — 57 vítimas-homens e 74 vítimas-mulheres.
O perfil dos homens que foram vítimas numa relação gay e que recorreram à associação é este: tem, em média, 46 anos (é um pouco mais jovem do que os 388 homens-vítimas em relações heterossexuais); em 36% dos casos tem o ensino superior; em 41% dos casos é casado ou vive em união de facto e uma minoria (38%) está inserido numa família nuclear com filhos (o que não se passa nas relações heterossexuais, onde a maioria relata viver em agregados com filhos).
Quanto à mulher que é vítima numa relação gay tem, em média, 44 anos (um pouco mais velha do que a média das mulheres-vítimas em relações heterossexuais), em 52% dos casos é casada, seis em cada dez estão inseridas num agregado com filhos, 42% têm o ensino superior.
“A violência assume formas muito diversas e tem actores muito diversos”, explica João Lázaro. Os perfis das vítimas mostram isso mesmo. Atente-se, ainda, a mais dois tipos de vítimas muito distintos: as crianças acompanhadas são em geral do sexo feminino (54,6%) e têm uma idade média de 9,9 anos; os idosos são também, na sua maioria (80,5%), mulheres, têm em média 75,4 anos e quase sempre (mais de 90%) estão reformados.
Muitas vítimas contactam a APAV apenas uma vez, para pedir informações. O telefone é escolhido em 60% dos casos (a linha de apoio 116 006 funciona gratuitamente das 9h da manhã às sete da tarde). Mas muitas são acompanhadas ao longo do tempo (ver texto "O caso mais antigo que Maria acompanha é de um miúdo com 13 anos"), nomeadamente para receber o apoio de um psicólogo habilitado. A associação fez um total de 34.372 atendimentos em 2015.
De resto, na maior parte das vezes o que as pessoas têm para relatar são casos de violência continuada (75%). E, no entanto, apenas 39% das vítimas declararam ter apresentado queixa às autoridades — uma percentagem que se mantém baixa, tal como no ano passado.