Governo conservador polaco pressionado a "defender a vida"

Grupos católicos, incentivados pela maioria parlamentar, querem proibir - ou quase o aborto -, a contracepção e a fertilização assistida. Mas até Kaczynski tem medo do impacte desta guerra.

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Apesar de ser um país profundamente católico, a Polónia divide-se na discussão do aborto. TOMASZ GZELL/AFP

Propostas para proibir quase completamente o aborto, exigir receita médica para a pílula do dia seguinte e criar uma taxa sobre a fecundação in vitro: os grupos conservadores polacos, particularmente católicos, revigorados pela chegada ao poder do Partido do Direito e Justiça (PiS) lançaram-se numa ofensiva para “defender a vida”.

A interrupção voluntária da gravidez na Polónia está severamente limitada por uma lei de 1993 que a autoriza apenas em três casos: quando há risco para a saúde da mãe, se um exame pré-natal diagnosticar uma patologia grave e irreversível no embrião e nos casos em que a gravidez resultar de actos ilegais — por outras palavras: por violação ou incesto.

Uma aliança de organizações pró-vida polacas entregou recentemente uma proposta de lei ao Parlamento para alterar a lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. O texto propõe que o aborto seja quase completamente ilegalizado, a não ser nos casos em que é necessário preservar a vida da mãe. A pena-máxima para punir abortos ilegais passaria a ser de cinco anos de prisão e não os dois de hoje.

São necessárias cem mil assinaturas para que o projecto-lei seja discutido e votado no Parlamento. É provável que os seus promotores recolham centenas de milhares. A confirmar-se, o PiS será confrontado com uma encruzilhada que o seu líder, Jaroslaw Kaczynski, preferiria evitar.

Kaczynski e o seu partido dizem seguir a doutrina social católica. Seguindo essa lógica, os seus deputados, agora em maioria na Dieta (o Parlamento polaco), não teriam dúvidas em aprovar o projecto-lei sobre o aborto.

Mas o aborto é um tema altamente fracturante — mesmo na Polónia, profundamente católica — e Kaczynski já deu a entender que não quer confrontar-se neste tema.

O diário centrista Rzeczpospolita avança que Jaroslaw Kaczynski tentou já convencer o presidente do episcopado polaco, o arcebispo Stanislaw Gadecki, de que é arriscado abrir um debate sobre a ilegalização do aborto e que isso pode até provocar a queda do Governo liderado pela primeira-ministra Beata Szydlo — apesar de não ter nenhum cargo de governo, é Kaczynski a verdadeira figura do poder do Executivo polaco.  

Um tema relacionado — embora menos incendiário — suscita também críticas. O Estado deixará de financiar fecundações in vitro a partir de Julho deste ano, o que fez surgir uma espécie de resistência política indirecta: grandes cidades — como Czestochowa, Lodz e Poznan, por exemplo — começaram a financiar este procedimento com os seus próprios orçamentos.   

“Depravação da juventude”

As organizações pró-vida não abandonam também o combate contra a pílula do dia seguinte, um método contraceptivo de emergência que estes grupos considerem ser uma forma de aborto e que é vendido livremente.

Invocando o que diz ser “a depravação das crianças e da juventude”, o Clube dos Médicos Católicos de Varsóvia exigiu na última semana que o ministro da Saúde, Konstanty Radziwill, interditasse a venda destes comprimidos. O ministro aceitou as críticas e indicou que a venda dos contraceptivos começará em breve a ser feita unicamente através de receita médica.

Grupos feministas opõem-se às iniciativas. “Adoptar uma nova lei do aborto será uma violação dos direitos do homem e da mulher”, diz à AFP Kazimiera Szczuka, crítica literária e membro do Congresso das Mulheres Polacas, recordando que as Nações Unidas consideram que a interdição ao aborto é uma forma de “tortura”.

Não existem estatísticas fiáveis sobre o número de abortos clandestinos realizados na Polónia. Em alternativa, muitas mulheres polacas consultam clínicas alemãs, eslovacas ou austríacas — há iniciativas bem organizadas, com transportes colectivos e funcionários que falam polaco. Os media polacos sugerem que em média, por ano, entre 100 mil a 150 mil mulheres viajam para o estrangeiro para consultarem clínicas de aborto. O número de interrupções autorizadas na Polónia, país de 38 milhões de habitantes, ronda as 700 e 1800 por ano. 

 

 

 

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