"Metade dos imigrantes e refugiados" entra na Europa sem ser registada
Em quase seis meses de missão na Grécia, Polícia Marítima portuguesa resgatou mais de 2700 pessoas em operações no mar Egeu, no âmbito da operação da Frontex.
Milhares de refugiados e imigrantes chegam às ilhas gregas todas as semanas. Na passagem para a União Europeia (UE) mais de metade não fica registada nem é identificada, diz o comandante Cortes Lopes, coordenador do comando geral da Polícia Marítima. Só no ano passado terão chegado à UE um milhão de pessoas.
“Segundo a Europol e a própria Grécia, mais de 60% das pessoas que entraram em 2015 dizeram-no sem serem registadas”, diz Cortes Lopes numa entrevista que antecipa o balanço dos primeiros seis meses da missão de Portugal na operação Poseidon da Frontex, iniciada a 1 de Outubro e prevista para durar um ano. “Se forem 60%, isso corresponde a 600 mil pessoas. Mas não há dados certos. Estes não são números oficiais. São estimativas. Não se sabendo quem são as pessoas, também não se sabe quantas serão.”
Essa informação de que não existe registo de muitos cidadãos de fora da UE foi partilhada, em Dezembro passado, na segunda de duas reuniões anuais que a Frontex organiza com os 26 países que participam nesta operação, entre os quais Portugal. Enquanto agência europeia, a Frontex dá assistência técnica a países da UE pressionados pela crise migratória como é o caso da Grécia e da Itália, e financia as operações transferindo dinheiro para os Estados que nelas participam.
O orçamento da agência, cujo contributo vem dos próprios países-membros, aumentou em mais de cem milhões de euros em 2016, passando de 142 milhões de euros em 2015 para 250 milhões em 2016, quando não chegava aos 100 milhões em 2014.
Os reforços de elementos nas fronteiras e no mar justificaram também a nova designação Poseidon Rapid Intervention, a partir de Dezembro, pela necessidade da urgência das respostas, explica o comandante Cortes Lopes. "Mas há muita gente a entrar em situação ilegal. Os países sabem disso, mas não conseguem resolver o assunto, porque o problema está a montante.”
“Muitas pessoas não passam sequer pelos hotspots [centros de identificação nas ilhas gregas]”, corrobora o subchefe Pacheco Antunes, que chefiou a primeira equipa da missão portuguesa na Grécia. “O objectivo de ter um registo e a identificação de todas as pessoas numa base de dados não foi atingido. Nem toda a gente está identificada.” E prevê: “É agora que o tráfico de pessoas vai começar na Europa.” Pessoas que em situação ilegal não conseguirão fazer valer os seus direitos, diz.
Centenas de crianças resgatadas
Em quase seis meses de missão na Grécia na operação Poseidon coordenada pela Frontex, a Polícia Marítima de Portugal resgatou 2794 migrantes e refugiados – dos quais 742 bebés e crianças – em 68 missões de busca e salvamento no mar Egeu. Além da Polícia Marítima, também a GNR, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a Força Aérea Portuguesa participam na operação com acções que podem mudar todos os meses e servem de reforços não só na Grécia, como na Itália e Bulgária e em três aeroportos internacionais na Europa.
O subchefe Pacheco Antunes, que liderou a equipa nos primeiros três meses da missão, descreve “situações muito dramáticas”, “crianças, famílias inteiras que se vêem envolvidas nestes tráficos, que as colocam em situações perigosíssimas". “Quando entregamos as pessoas resgatadas às autoridades gregas, perdemos-lhes o rasto”, diz questionado sobre o número de pessoas que são deportadas para os países de origem.
“Uma parte dessas pessoas é deportada, por exemplo quando são pessoas logo identificadas [e que não preenchem os requisitos de requerente de asilo]. Mas a maior parte tem entrado na Grécia, de uma maneira ou de outra.”
Questionada sobre as situações em que as pessoas não são registadas, a porta-voz da Comissão Europeia em Bruxelas diz numa reposta por email: “Não serei capaz de fornecer números certos, mas aconteceu nalguns casos.” Tove Ernst acrescenta a estes casos as situações de candidatos a requerentes de asilo que desaparecem antes da recolocação. “Nalguns casos, sim, as pessoas desaparecem antes da recolocação”, admite. E conclui: isso explica – mas só em parte – a lentidão do processo de recolocação, que a Comissão Europeia atribui, em grande medida à “falta de vontade política dos Estados-membros”, de acordo com o primeiro relatório da instituição sobre o sistema de recolocação, divulgado esta semana antes da cimeira.
Arriscar para salvar
A equipa de sete pessoas da Polícia Marítima está estacionada na aldeia de Mólivos, na ilha de Lesbos, onde chega a maioria dos refugiados que embarca da Turquia, e uma das cinco ilhas onde existem hotspots operacionais (Lesbos, Chios, Samos e Leros) e ou com perspectiva de abrirem em breve (Kos). Só a estas cinco ilhas terão chegado mais de 750 mil pessoas no ano passado. O fluxo continuou em 2016. Actualmente, entrarão entre 1500 a 1700 pessoas por dia na Grécia, diz a porta-voz da Comissão Europeia em Atenas, Klimentini Diakomanoli.
A situação é insustentável, quer seja vista no conjunto, quer se olhe apenas para a missão portuguesa, diz Cortes Lopes. “A embarcação portuguesa tem 12 metros, devia levar no máximo 15 ou 20 pessoas e nós já lá metemos 70 pessoas. Se é para salvar pessoas, vamos arriscar o aceitável para conseguir chegar a terra com elas. Mas às vezes a embarcação está a ir ao fundo, e algumas pessoas estão na água e não podemos socorrer todas. É difícil ver pessoas que precisam e não ser possível ajudar.”
Entre as que são socorridas, muitas “chegam em pânico”, acrescenta Pacheco Antunes. “Têm medo. Perguntam onde estão. Às vezes nem sabem ainda se já estão na Europa."