Número de utentes com médico de família caiu 2%, diz regulador da Saúde
Dados de 2010 a 2014. Relatório da ERS diz que cenário é melhor nas Unidades de Saúde Familiar do que nos centros de saúde. As primeiras têm melhor nota também noutros indicadores.
Nas Unidades de Saúde Familiar (USF), a percentagem da população com médico de família ronda sempre os 100%. Já nas Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) — que são, no essencial, os tradicionais centros de saúde —, a taxa é inferior a 60% no Algarve e em Lisboa. Esta é uma das razões que levam a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) a dizer que as USF se saem melhor em termos de desempenho do que os centros de saúde. Seja como for, olhando para Portugal Continental como um todo, entre 2010 e 2014 o número de utentes com médico de família diminuiu 2%, diz a ERS.
“A Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo foi a região que apresentou uma diminuição mais acentuada, de 7%”, prossegue o relatório de Fevereiro que a ERS enviou às redacções na madrugada de sábado. À luz destas contas, em 2014, 87% dos utentes dos Cuidados de Saúde Primários do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tinham médico de família atribuído, acrescenta-se. “Por região de saúde, a ARS Norte destaca-se com maior percentagem (96%) e a do Algarve com menor (65%).”
Como todos os seus antecedentes, o anterior ministro da Saúde, Paulo Macedo, prometeu aumentar o número de utentes com médico de família. E os dados do Relatório Anual sobre o Acesso a cuidados de saúde, divulgado no ano passado, em Julho, até apontavam para uma redução dos que não tinham clínico atribuído. Contraditório que o que conclui agora a ERS?
O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, não se mostra surpreendido. “Não podemos confiar em nenhuma estatística do Ministério da Saúde pelo menos nos últimos quatro anos — a tutela anterior — porque essas estatísticas foram deliberadamente manipuladas para reproduzir um panorama róseo que nada tem a ver com a realidade na Saúde. E nesse sentido não me surpreende essa aparente contradição.” Questionado sobre a dita contradição, o actual Ministério da Saúde não respondeu ao PÚBLICO em tempo útil.
Prossegue o bastonário: “Há muito tempo que eu dizia que o ministério anterior manipulava as estatísticas. Por outro lado, o período entre 2010 e 2014 registou um grande boom de reformas de médicos. Entretanto, em 2015 entraram mais jovens médicos. Nessa altura reformaram-se 415 enquanto mais 1000 jovens médicos especialistas começaram a trabalhar, o que trouxe maior equilíbrio.”
Dados de Janeiro de 2016 da Administração Central do Sistema de Saúde mostram que havia naquele mês 1.053.844 utentes (10,5% do total) sem médico de família atribuído, contra os 13% em 2014 mencionados pela ERS.
A questão do acesso a médicos de família é apenas um detalhe no relatório da ERS, divulgado este fim-de-semana, uma resposta a uma solicitação do Ministério da Saúde, feito no ano passado, para que fosse feito um estudo comparativo entre USF e UCSP. Explique-se do que se trata: o modelo de gestão das USF distingue-se do modelo clássico de centro de saúde, desde logo porque as USF só surgem por iniciativa das equipas de médicos e enfermeiros. Mais: têm um grau de autonomia e de gestão participativa dos profissionais que as UCSP não têm.
Em Portugal, as pessoas estão inscritas em USF modelo A (ou seja, USF em fase experimental), ou nas USF modelo B (onde os profissionais de saúde recebem incentivos financeiros com base nos resultados) ou nas UCSP (os centros de saúde tradicionais, que são o tipo de unidade mais comum na rede de cuidados de saúde primários).
O que a ERS fez foi comparar estes três tipos de unidades. E as USF modelo B ganham às outras. Pela razão que já se viu, mas não só: há nelas uma taxa de utilização de consultas médicas, de planeamento familiar, de serviços de enfermagem e de domicílios mais alta, concluiu a ERS. Por outro lado, as UCSP “foram visadas em maior número de reclamações recepcionadas pela ERS, destacando-se como principais constrangimentos a demora na marcação de consulta programada para adulto, a pedido do utente, e o não cumprimento do Tempo Máximo de Resposta Garantido no âmbito de consulta por motivo de doença aguda”. Já as USF de modelo B não tiveram nenhuma reclamação relativamente a demora na marcação de consulta por motivo de doença aguda.
Para além disso, as USF — sobretudo as B, uma vez mais — gastam menos com medicamentos e com meios complementares de diagnóstico e terapêutica. E “nos indicadores relativos a cuidados de saúde de prevenção (indicadores de vigilância oncológica, de rastreio, e de plano de vacinação), e a prevalência de doenças, as USF de modelo B exibiram um melhor desempenho, seguidas pelas USF de modelo A”.
Em suma, conclui o regulador, “os principais resultados do estudo indiciam um melhor desempenho por parte das USF modelo B na maioria dos indicadores considerados”.
Em 2014, o Tribunal de Contas tinha concluído, numa auditoria divulgada pela agência Lusa, que “os incentivos institucionais e financeiros atribuídos às USF e aos seus profissionais (USF modelo B) não acompanham o grau de eficiência económica revelado”.