O Presidente do SMMP sob crivo disciplinar do CSMP

Quem define o âmbito disciplinar, é o CSMP ou a queixa do Sr. José Sócrates?

O Conselho Superior do Ministério Público deliberou “instaurar um inquérito para averiguar de eventual responsabilidade disciplinar do Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), na sequência de queixa apresentada por Sr. José Sócrates”. Assim reza uma nota da Procuradoria-Geral de República (PGR). O site do SMMP dá conta de um apoio quase generalizado que o SMMP recebeu, dando nota do repúdio que um tal ato administrativo gerou, nomeadamente ao nível de suas congéneres europeias.

E a questão para nós é precisamente esta, sem sequer tendo em linha de conta a queixa apresentada ou a pessoa do queixoso ou o eventual fim último que por essa via pretende atingir. O enquadramento fulcral de âmbito apreciativo e de análise reside no facto da instauração de um inquérito pré-disciplinar ter sido determinada por um órgão da PGR contra um dirigente sindical, por sinal Presidente do SMMP.

Um primeiro aspeto que chama atenção é a posição ativa e funcional em que o destinatário do processo se expressou. Óbvio é que Dr. António Ventinhas é um magistrado do M.P. no ativo; porém, ao proferir as frases que lhe são atribuídas fê-lo na qualidade de Presidente do SMMP. Não vá sem resposta que o próprio queixoso, Dr. José Sócrates, enquanto 1.º Ministro de Portugal a propósito de muitas das suas intervenções públicas, distinguia a postura em que o fazia – ora como dirigente governativo, ora como dirigente partidário, para daí atribuir o efeito próprio consoante a posição adotada. Aqui o caso é precisamente idêntico. Dr. Ventinhas enquanto Presidente do SMMP não deixa de ser magistrado do M.P. mas há que distinguir a veste em que intervém. E sendo assim, é precisamente este – o de intervenção como magistrado – o enquadramento que haveria de legitimar a intervenção do CSMP, já que em conformidade com a al. a) do artigo 27.º do Estatuto do Ministério Público (EMP) cabe a este órgão “….. exercer ação disciplinar e em geral, praticar todos os atos de idêntica natureza respeitante a magistrados do M.P…..”, o que exclui a intervenção de magistrado enquanto dirigente sindical. De outro modo estaria a exorbitar o quadro da sua competência. E a nota da PRG é clara este respeito. Tratou-se do Presidente do SMMP.

Neste ponto torna-se então legítima a indagação: quem define o âmbito disciplinar, é o CSMP ou a queixa do Sr. José Sócrates?

Porém um segundo aspeto emerge de toda este enredo. É o decorrente da própria intervenção do Dr. Ventinhas. Não está demonstrado qualquer interesse pessoal ou sua direta animosidade para com o queixoso, que aliás atira-se em primeira linha à própria Sr.ª PGR a quem se refere como “a principal responsável pelo comportamento do M.P”, naturalmente referindo-se ao posicionamento do M.P. no processo onde é arguido. Temos então o dirigente sindical em apreço, a pugnar e defender pela dignificação da magistratura do M.P. (n.º 3. do artigo 6.º. dos Estatutos do SMMP), que mais não é o direito ao bom nome e a defesa dos interesses dos sócios ou não da instituição sindical (n.º1. do artigo 6.º e n.º 2. do artigo19.º ibidem).

É certo que a forma como o dirigente sindical se pronunciou e o uso da correspondente fraseologia mereceu crítica do queixoso que porventura entendeu caber ao CSMP tomar uma posição nesta questão. Porém impunha-se a este entidade como órgão superior da PGR saber separar as águas. Com efeito, se o CSMP demonstra nada ter encontrado de criticável na atuação do Dr. António Ventinhas, enquanto magistrado, constitui no mínimo um excesso fazer uso da sua competência para subtilmente sujeitar a postura de um dirigente sindical ao crivo disciplinar para a qual carece de força interventiva. Ao assim proceder o CSMP, como superior órgão de uma instituição judiciária coloca-se numa melindrosa situação face a toda a classe dos magistrados do M.P. A instauração do inquérito, nas circunstâncias do caso, corre o risco de se assemelhar a uma via para silenciar aos que levam a defesa da classe em termos sindicais a sério. Sendo o sindicalismo a forma mais elevada de consciência profissional torna-se para muitos difícil, senão mesmo incómodo conformar-se com as suas manifestações e exigências que mais não são senão as emanações de valorações democráticas a que nem todos estão habituados mas tem de aceitar. A queixa e instauração do inquérito encontram-se neste patamar. Há que ultrapassar esta incongruência para que a democracia não passe de uma quimera.

Juiz-conselheiro do STJ - jubilado

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