E eis que o “passado” aplaudiu o “futuro”

Portas aplaudiu com entusiasmo o discurso de Assunção Cristas, como o criador admira a criatura.

Se Paulo Portas é o passado, como ontem iam dizendo no congresso os militantes do CDS presentes em Gondomar, então o “passado” não se cansou de aplaudir o “futuro”. Como o criador admira a criatura, assim Portas aplaudiu Cristas, entusiasticamente, mesmo em alturas em que os restantes aplausos gerais se mostraram mais comedidos. E isso não é só porque a solução Cristas é a solução do agora ex-líder. É também porque aquilo que ela se propõe agora levar à prática é o que Portas quereria – mas sem ele. As lágrimas e as declarações políticas de “independência” já ele as derramara na véspera, deixando claro que o CDS trocará o antigo lugar de “número dois” numa coligação à direita pelo de candidato a “número um” onde quer que isso lhe seja possível. Daí que, liberto de amarras pré-eleitorais (alianças só as fará onde isso lhe for útil, ficou claro), tentará impor-se como alternativa política com ambição de crescer. “Ambição máxima”, como se lia em letras garrafais no fundo do palco onde os congressistas discursavam. Ora isto só podia fazer-se mostrando renovação. E Portas, que foi rosto de uma aliança e de um governo derrotados, não podia usar nessa renovação o mesmo rosto. Assunção Cristas ficou agora com o leme de uma barca que Portas conhece muito bem e vigiará de perto. Será ela a lançar laços e amarras aonde eles se segurem com proveito, seja à direita (sua aliança natural) seja à esquerda (e aqui sobressai o PS, ao qual já foi lançado um repto em matérias de interesse governamental). Postas na mesa ideias de reformas, como a do sistema de pensões e a do sistema de nomeação do governador do Banco de Portugal, hão-de seguir-se outras tantas batalhas políticas, das quais o CDS procurará tirar o máximo de dividendos. Até lá, terá de gizar um projecto político (que não tem) para o país e brandi-lo como se lhe estivessem destinadas as rédeas do poder. É essa a ambição máxima, ainda em escala mínima.

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