O que significa a decisão do BCE para os portugueses

Banco central dá boas notícias aos mais endividados, mas retira expectativas aos que têm poupanças.

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REUTERS/Kai Pfaffenbach

Apesar de tomada em Frankfurt e a pensar na totalidade da zona euro, a decisão desta quinta-feira do conselho de governadores do Banco Central Europeu tem efeitos claros em Portugal, seja, nas famílias, nas empresas, nos bancos ou no Estado. Alguns dos impactos são certos e imediatos, outros são potenciais e espaçados no tempo, mas todos juntos podem ser decisivos para o desempenho da economia portuguesa durante os próximos anos. E, de uma forma global, para uma economia endividada como a portuguesa, a capacidade do BCE para combater a deflação é fundamental para que o país tenha aspirações de sair da crise em que se encontra desde o início do milénio.

Particulares

Para aqueles que estão endividados, as decisões do BCE podem representar o prolongamento e mesmo o acentuar do cenário benigno a que se tem assistido nas taxas de juro. Ao baixar todas as taxas de juro de referência e ao reforçar o seu programa de compra de activos, as taxas de juro de curto prazo do mercado monetário podem, pelo efeito surpresa das medidas, cair ainda mais.

As taxas Euribor, apesar de já se encontrarem a níveis negativos na maior parte dos prazos, podem voltar a registar uma trajectória descendente. E mais importante que isso, com o reforço da garantia de Mario Draghi de que as taxas de juro irão permanecer por muito tempo a um nível baixo, o que os portugueses que têm empréstimos indexados às Euribor podem esperar é mais alguns anos de taxas muito baixas e mesmo negativas no cálculo da amortização dos créditos.

O próprio BCE, nas suas previsões, assume que a Euribor a 3 meses irá situar-se em -0,3% em 2016 e 2017 e subir apenas ligeiramente para -0,2% em 2018.

Pela positiva, mas bastante mais incerto, há ainda a perspectiva de a estratégia de estimulo à concessão de crédito ajudar quem esteja interessado em contrair um novo empréstimo. Neste cenários, os bancos a operar em Portugal responderiam às medidas do BCE com mais facilidades e taxas mais baixos no crédito que ofereceriam.

Um impacto negativo sofrem certamente aqueles que têm poupanças. As medidas do BCE significam que o cenário de juros nulos ou quase nulos em depósitos e outras aplicações financeiras se irá manter por bastante tempo.

Empresas

O cenário é semelhante ao vivido pelos particulares. As empresas com empréstimos indexados à taxa Euribor deverão sentir um impacto positivo imediato e aquelas que precisam de crédito novo para lançar os seus planos de investimento podem ficar com mais esperança que os bancos lhes emprestem dinheiro.

O BCE tem também uma medida que se pode repercutir ainda mais directamente nas empresas da zona euro, que é o alargamento do programa de compra de activos aos títulos de dívida emitidos por empresas não financeiras. Neste caso, apenas as maiores empresas nacionais fazem emissões de dívida deste tipo e neste momento têm o problema de apresentar ratings abaixo do nível de investimento, que é exigido pelo BCE para que os títulos sejam elegíveis.

Bancos

Para os bancos, o acentuar de um cenário de taxas de juro reduzidas e mesmo negativas constitui um desafio, com factores positivos e negativos. A banca portuguesa, ainda bastante dependente do financiamento do BCE, ficou a saber que pode contar, por um período longo de tempo, com empréstimos do banco central a taxas de juro que pelo menos, não serão superiores a zero, a nova taxa principal de refinanciamento.

Além disso, o BCE vai realizar empréstimos a quatro anos em que as taxas aplicadas estarão entre zero e -0,4%, dependendo da quantidade de empréstimos às famílias e empresas que cada banco faz.

A contrapartida, deste acesso a crédito ultra-barato, é os bancos terem também dificuldades em fazer render o seu dinheiro. As taxas de depósito negativas do BCE são um problema e, além disso, os bancos portugueses estão particularmente expostos à descida das Euribor, já que uma grande parte dos empréstimos que concederam ao longo dos últimos anos estão indexados a essas taxas, o que lhes retira a capacidade para gerarem lucros com as duas operações.

Estado

As taxas de juro da dívida pública portuguesa têm vindo a ser limitadas no último ano pelo facto de o BCE estar no mercado como comprador extremamente activo. Agora, ao reforçar o montante mensal de compras que realiza, o banco central está a dar uma boa notícia ao Estado português, havendo assim mais garantias de que as taxas não sobem muito, num cenário que tem sido recentemente de grande volatilidade.

A única dúvida é a de saber se, de acordo com as suas próprias regras, o BCE não ficará limitado no montante de dívida portuguesa que poderá ter nos seus cofres.

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