A Europa é que precisa de medidas adicionais
O dia 7 de Março de 2016 não será lembrado como efeméride histórica, mas tem nele tudo para demonstrar que as coisas correm de mal a pior com a União Europeia (UE). As negociações com a Turquia e a reunião do Eurogrupo mostram-nos que há razão para ter medo do que o futuro nos possa trazer, não para Portugal mas para toda a União Europeia.
Em Janeiro de 2009, em Davos, tive a ocasião de presenciar algo que não é costume acontecer em eventos públicos. Uma conversa entre dois líderes de países abandonar a cortesia e diplomacia para se transformar numa discussão agressiva. Os dois líderes eram Recep Tayyip Erdogan e Shimon Peres. Discutia-se Gaza e, de repente, Erdogan atacou verbalmente o moderador, criticando-o por não lhe dar o tempo que achava merecer para intervir, dirigiu-se para Shimon Peres num tom irado e depois decidiu abandonar a sala.
Não quero discutir se Erdogan tinha razão para estar irado com Peres sobre Gaza, quero, relembrar esse episódio para demonstrar que políticos que escolhem agir como Erdogan estão sempre disponíveis para romper qualquer tipo de convenções desde que isso sirva o seu interesse.
A Turquia e os turcos merecem todo o nosso respeito mas a Europa não pode negociar com políticos como Erdogan e não perceber simultaneamente que a negociação acordada só será cumprida se servir totalmente os interesses de quem comanda a negociação – neste caso o reforço do seu poder pessoal à imagem do que foi no passado o poder de Ataturk.
Se a negociação UE-Turquia se completar, tal como está em cima da mesa, estaremos a dar o benefício da dúvida sobre a possibilidade, quase impossível, do fluxo migratório parar nas fronteiras turcas a troco de pagar em euros ao governo turco – algo que não abona muito sobre o actual estado da prática política da UE ou da sua própria identidade.
Por outro lado, estaremos a fazer tábua rasa face a todas as liberdades que afirmamos defenderem os nossos regimes democráticos. O preço a pagar pode muito bem ser que, ao contrario de a UE servir de modelo para a Turquia, passe a ser a actual Turquia que venha a ser o modelo de governo para o leste Europeu e depois para o sul da Europa.
Entretanto, no meio deste caos negocial, o Eurogrupo reunia-se cumprindo aquilo para que actualmente serve, ou seja, demonstrar que mesmo que tudo esteja a correr mal, tudo tem de aparentar correr bem – um pouco como quando o ministro da informação de Saddam Hussein dizia que tudo corria bem quando os norte-americanos já estavam a entrar em Bagdade.
O curioso foi ver Pierre Moscovici ser mais duro com Portugal do que o comunicado consensual do Eurogrupo. Curioso mas expectável, quando as coisas correm mal nos países dos próprios comissários há que desviar as atenções para os outros, ou seja, problemas na França devem sempre ser menos problemáticos que os problemas de Portugal.
E como vai a Europa do Euro? Bem? Mal? Aparentemente está ligada à máquina na expectativa que não piore ou, pelo menos, é essa a forma como o próprio Eurogrupo se descreve no seu comunicado final.
E o que nos diz esse comunicado? Diz-nos que apenas quatro países cumprem os critérios estipulados (Alemanha, Estónia, Luxemburgo e Eslováquia) mas que em Novembro eram cinco – entretanto a Holanda disse adeus ao grupo que cumpre critérios e juntou-se à segunda divisão do euro.
Depois há a categoria dos chamados "broadly compliant", ou seja, os que "cumprem em geral" que é um eufemismo para acreditamos que tudo correrá bem para criar a ideia que as coisas estão melhores do que aquilo que sabemos estarem (França, Letónia, Malta, Finlândia, Irlanda e agora também Holanda).
Seguem-se os países em "risk of non-compliance", ou seja, para os quais se decidiu não criar nenhum eufemismo, pois há que estabelecer um outro grupo para que não haja apenas a categoria dos que estão bem e dos que não estão bem (Áustria, Bélgica, Espanha, Eslovénia Itália, Lituânia e Portugal).
Finalizando com a Grécia e o Chipre que nem sequer são discutidos e que são apenas referidos na introdução, por já estarem noutra dimensão paralela, a do ajuste estrutural.
O que nos diz tudo isto? Que já não há uma Europa a duas velocidades, que só na zona Euro há uma Europa a quatro velocidades. Que a Europa não consegue lidar sequer com o problema dos refugiados senão pagando a outros para o resolverem por si. Que entre a perspectiva do Brexit a ocidente e o fluxo de refugiados a oriente todas as decisões, por mais prejudiciais que possam ser no médio prazo, são aceitáveis para salvar a pele dos seus líderes no curto prazo.
Mais do que os países membros do Euro é a actual União Europeia que parece necessitar de medidas adicionais, não para salvar défices nacionais mas sim para salvar o défice de democracia e de falta de capacidade de sequer saber gerar uma qualquer real politik consistente e que a possa salvar a si e a todos nós.
Professor do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris