Maria Luís e o vírus laranja

Acossada pela polémica à volta da sua contratação por uma empresa britânica da área financeira, que manteve estreitas ligações ao Banif ainda durante o consulado de Maria Luís Albuquerque à frente da tutela das Finanças, a ex-ministra remeteu a sua defesa ao estrito universo da legalidade. Começou por afirmar que não há qualquer “impedimento legal” ou “incompatibilidade” entre o novo cargo na Arrow Global e as  suas anteriores funções governativas e ontem resolveu pedir a intervenção da subcomissão de Ética, curiosamente uma das estruturas menos transparentes do Parlamento e cuja actuação, que se saiba, se limita a avaliar as situações quase exclusivamente no plano jurídico e muito pouco no terreno da ética, como seria de esperar dada a sua designação. Aliás, o facto de nem ser uma comissão e sim uma sub diz tudo sobre a importância que o Parlamento atribui a estas questões, mais parecendo que a sua existência se explica não tanto por preocupações genuínas sobre o comportamento ético/político e cívico dos deputados, mas antes para sossegar a opinião pública e para ficar bem na fotografia dos índices de transparência internacional.     

Portanto, quando um deputado em apuros quer escamotear responsabilidades políticas, este exercício de prestidigitação invocando a subcomissão de Ética é bastante vulgar. Faz-se uma pequena manobra de diversão desviando o foco para outro lado e desloca-se o assunto para um plano que não é, de todo, o mais conforme com o que está em causa. Ora o que está aqui em causa não é do regime jurídico das incompatibilidades, que no caso português tem uma malha tão cheia de buracos, alçapões e saídas de emergência que é facílimo escapar a qualquer sanção. O que está em cima da mesa é uma questão de ética política, cujo alcance se mede apenas na resposta a uma simples pergunta: Maria Luís Albuquerque, ex-titular das Finanças, devia aceitar o convite para trabalhar numa empresa com negócios passados e futuros na área que tutelou? A própria já deu a resposta ao aceitar o convite. Mas uma outra ex-governante, na mesma pasta e do mesmo partido é taxativa: “Qualquer bocadinho de bom senso levaria a que a ex-ministra não aceitasse ir para uma empresa que teve ligações ao ministério das Finanças. E ainda por cima ligações prejudiciais ao país”. Palavras de Manuela Ferreira, na TVI24. E acrescenta: “Ela diz que não beneficiou [a Arrow], mas quando se está nas Finanças nunca se sabe exactamente com quem se está a falar”. Jorge Bacelar Gouveia, outra importante figura do PSD coloca a questão numa outra dimensão, ao referir os riscos de Maria Luís levar para a financeira britânica “segredos de Estado”. O conhecido constitucionalista, que presidiu ao Conselho de Fiscalização do SIS entre 2004-08, diz que a ex-ministra se colocou numa situação “bastante grave” e explica porquê: “A estrita incompatibilidade pode não se aplicar, mas tendo terminado funções de ministra e deputada tem segredos de Estado que são também económicos e financeiros (…). Esta empresa que contratou Maria Luís Albuquerque não a contratou por ser cidadã”, mas pelas funções que desempenhou.

Dois militantes do PSD cujas posições deitam por terra a argumentação da direcção partidária segundo a qual as críticas à decisão de Maria Luís não passam de “aproveitamento político”. A provar que esta não é uma questão do PSD contra o mundo e que o partido enquanto tal não foi atacado por uma espécie de vírus laranja, capaz de provocar a incapacidade colectiva para agir de acordo com as mais elementares regras de bom senso. Quando se quer esconder o embaraço lança-se uma tirada grandiloquente de indignação, que fica a pairar no vazio sem eco, tal é o isolamento. Ou a direcção do PSD ainda não deu conta do silêncio do CDS?  

 

 

 

  

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