Fechado por causa de Legionella, hospital da Régua só tinha nove enfermeiros

Hospital da Régua foi fechado para desinfecção. Onze doentes foram transferidos para hospital de Chaves esta manhã e um foi para cuidados continuados em Tarouca.

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Hospital da Régua Nelson Garrido

A detecção da bactéria Legionella na rede de águas do hospital da Régua obrigou esta quinta-feira ao seu encerramento para desinfecção e à transferência dos 12 doentes ali internados, além dos nove enfermeiros que trabalham na unidade, apesar de ninguém ter contraído a doença dos legionários. "Não há uma única pessoa afectada, mas os doentes foram transferidos por uma questão de precaução. Os dois pontos de rede de águas onde foi encontrada a bactéria estavam encerrados", garantiu ao PÚBLICO o presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte, Pimenta Marinho, que enfatiza que não está aqui em causa qualquer surto, uma vez que não há pessoas infectadas. 

De tarde, onze doentes já estavam no hospital de Chaves, que fica a 85 quilómetros de distância mas pertence ao mesmo centro hospitalar, e o outro paciente foi transferido para uma unidade de cuidados continuados em Tarouca, adiantou a ARS. Sem médicos residentes (iam apenas à unidade em regime de visitas), o hospital da Régua estava quase desactivado e era um dos que constavam na lista das unidades que o anterior Governo pretendia transferir para as misericórdias, tendo estado também várias vezes em cima da mesa a hipótese do seu encerramento. 

Como se explica que um hospital integrado na rede do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tenha apenas 12 doentes internados e nove enfermeiros? E o que vai agora acontecer a esta unidade, que dista 13 quilómetros do de Lamego, um hospital novo que pertence também ao Centro Hospitalar de Trás-os Montes e Alto Douro (CHTMAD)? "Essa é matéria para ser discutida mais tarde, do ponto de vista técnico e numa perspectiva global", responde Pimenta Marinho, que lembra que o hospital de Lamego "herdou" muitas das actividades do da Régua. AO PÚBLICO, o gabinete do ministro da Saúde assegurou mais tarde que não tem informação de que este hospital  vá fechar, apesar de "ter efectivamente alas desactivadas". 

Relativamente aos enfermeiros, o presidente da ARS/Norte sublinhou que será o conselho de administração do CHTMSD a encontrar "uma solução que minimize o desconforto" resultante da transferência dos profissionais de saúde. "O que interessa agora é tratar deste problema e garantir que a segurança dos profissionais e dos doentes não está em risco", enfatizou. Além dos hospitais de Lamego e de Chaves, o CHTMAD integra ainda o hospital de Vila Real, a cerca de 30 quilómetros da Régua.

De manhã, o director-geral da Saúde tinha explicado que “o sistema de vigilância da qualidade da água identificou a presença da bactéria Legionella e, uma vez identificada, foram tomadas as medidas" que, "em termos de boas práticas, devem sempre ser tomadas: reduzir o risco dos doentes aí presentes, e do pessoal, em contrair a infecção”.

Esta quinta-feira, os familiares dos doentes reclamaram pelo facto de só terem tido conhecimento desta situação e da necessidade de transferência de manhã. Em frente ao  hospital, concentrou-se também um grupo de pessoas residentes na Régua que se queixavam de falta de informações.

Por volta das 11H00, um grupo de doentes com uma média de idade que ronda os 75 anos já tinha sido transportado para o hospital de Chaves. Alfredo Gomes, representante do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) que esteve a acompanhar esta transferência no local, insurgiu-se também contra a falta de informações e de um rastreio, além da não clarificação sobre o futuro da unidade de saúde. 

Alfredo Gomes lamentou que os profissionais de saúde da unidade da Régua só tivessem sido informados pela administração, ao início da tarde de quarta-feira, que existia um "problema estrutural" que implicava fechar a unidade. Segundo explica, os enfermeiros só souberam que se tratava da presença da Legionella quando ouviram as declarações do presidente da Câmara local.

Foi Nuno Gonçalves, presidente da Câmara da Régua, que quarta-feira à noite avançou à Lusa ter sido informado pelo centro hospitalar da presença de Legionella no hospital daquela cidade, uma situação que implicava o encerramento da unidade e a transferência de utentes e funcionários. “A informação que temos também é pouca, mas o que nos informaram é que seria um surto de Legionella e que teriam de encerrar o hospital na quinta-feira, transferindo os doentes e o pessoal”, afirmou Nuno Gonçalves. Só na quinta-feira ficou esclarecido que não havia qualquer surto, mas apenas que tinha sido detectada a presença da bactéria em análises de rotina. 

Misericórdia reclama 95 mil euros em rendas
Porém, mais do que preocupado com os eventuais riscos da bactéria, até porque já estão a ser tomadas medidas de precaução, Alfredo Gomes disse temer que este problema sirva como pretexto para encerrar definitivamente este hospital. O sindicalista adianta que esta unidade funciona já como apoio ao hospital de Vila Real e Lamego e que tem sido colocada a possibilidade do seu encerramento. "Receio que não volte a abrir depois disto", disse, sublinhando que o hospital não tem médicos residentes. 

O PÚBLICO tentou obter uma reacção do presidente da Câmara da Régua sobre a situação do da unidade de saúde, mas Nuno Gonçalves não quis fazer comentários. Já o provedor da Santa Casa da Misericórdia da Régua, Manuel Mesquita, admitiu que o fecho da unidade foi várias vezes equacionado, mas sempre protelado, de modo a encontrar-se uma solução para o hospital que, acusa, "foi sendo descapitalizado e desmantelado pelo centro hospitalar", ao longo dos últimos anos.

Há meses, ainda com o anterior Governo, a misericórdia apresentou um estudo prévio e uma proposta de acordo no âmbito da qual receberia o edifício do hospital (arrendado ao Estado por 3 500 euros por mês) com a garantia de poder assegurar vários serviços, como fisioterapia, exames complementares de diagnóstico e consultas, além de 22 camas para cuidados continuados, adiantou  Manuel Mesquita. "Continuamos à espera", lamenta o provedor, que reclama agora a devolução de "95 mil euros em rendas ficaram por cobrar" por se ter estado a estudar esta solução , face à "reversão da negociação" (o actual ministro decidiu suspender e avaliar o processo de transferência de hospitais para misericórdias).

Quanto ao problema da Legionella, o director-geral da Saúde assegurou que a medida de desinfecção da unidade hospitalar foi tomada a tempo, dado que não há pacientes com a doença dos legionários. “Os doentes e o pessoal de serviço já estão a ser transferidos, logo depois vão iniciar-se as operações de desinfecção da rede predial daquele estabelecimento, que se faz através de um choque de cloro ou de um choque térmico”, explicou.

A forma como se fará a desinfecção depende daquilo que a rede predial suportará. George lembrou que as colónias de Legionella “são eliminadas pelo calor, acima dos 60 graus”. “Trata-se de uma medida de desinfecção que foi [tomada] ainda a tempo, uma vez que não há doentes com a doença dos legionários”, reforçou. É, enfatizou, “um exemplo de boas práticas: foi identificado um risco e esse risco foi eliminado”.

Provocada pela bactéria ‘Legionella pneumophila’, a doença dos legionários contrai-se por inalação de gotículas de vapor (aerossóis) de água contaminada de dimensões tão pequenas que transportam a bactéria para os pulmões, depositando-a nos alvéolos pulmonares. A doença do legionário afecta preferencialmente pessoas idosas, fumadoras, imunodeprimidas ou pessoas com doenças crónicas. A pneumonia provocada pela bactéria Legionella pode provocar a morte. No final de 2014, o surto de Legionella no concelho de Vila Franca de Xira, o segundo mais grave a nível mundial, causou 14 mortos e infectou quatro centenas de moradores do concelho.

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