Divino Sospiro pela salvação do montado a começar na poda dos sobreiros

O Festival Terras sem Sombra dedicado à divulgação da música sacra no Alentejo convida os seus intérpretes a desempenhar tarefas agrícolas na defesa da biodiversidade. E ninguém recusa.

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O director musical da orquestra barroca, Massimo Mazzeo, a cortar um ramo DR

No passado domingo, duas dezenas de músicos da orquestra barroca Divino Suspiro, que actuaram na véspera na Igreja Matriz de Almodôvar na abertura do 12º Festival Terras sem Sombra, vestiram roupa mais adequada ao trabalho agrícola e foram para o campo. Aceitaram, com entusiasmo, o convite da organização do FTSS, para executar uma tarefa que nunca desempenharam: podar sobreiros novos numa herdade nos arredores de Almodôvar. A organização do festival dedicado à divulgação da música sacra nas igrejas do interior alentejano, acredita que os seus intérpretes podem fazer chegar mais longe e com eficácia a mensagem na defesa da biodiversidade.

O dia estava agreste. Muito frio e muito vento, os campos enlameados e o céu a anunciar chuva ou neve a cada momento. Ali ao pé, a poucos quilómetros, os pontos mais altos da serra de Monchique estavam cobertos de branco. Na jornada pela defesa da biodiversidade subsistia uma razão de fundo: “A cortiça é o nosso ouro mas as doenças estão a enfraquecer os sobreiros”, garante o vereador Ricardo Colaço, responsável pelo pelouro do Ambiente na Câmara de Almodôvar.

A esperança na preservação do montado está nos novos povoamentos mas, em média, os agricultores “vão ter de esperar entre 20 a 25 anos pela primeira extracção de cortiça para rentabilizar o investimento”, assinalou o autarca.

Guilherme Santos, técnico do Instituto da Conservação da Natureza e Floresta (ICNF), presente na acção de poda, revelou que, com base num programa iniciado em 1997, foram plantados 166 mil hectares de novos povoamentos florestais em Portugal. Cerca de 60% foram instalados no Alentejo e Almodôvar beneficiou da plantação de 26.300 hectares, de sobreiros, azinheiras e pinheiro manso.

O especialista do ICNF explica “a excelência dos serviços ambientais” prestados pelo montado: conservação dos solos, regulação do ciclo da água, fixação de carbono e conservação da biodiversidade.

As virtualidades do montado foram igualmente explicadas pelo engenheiro silvícola Eugénio Sequeira aos músicos da orquestra Divino Sospiro: “O sobreiro e da azinheira no Alentejo são as únicas árvores que nos defendem do deserto, a última barreira” alertou o ambientalista.

A importância do montado expressasse também na economia nacional: “ a venda da cortiça rende ao país 600 milhões se euros, enquanto a pasta de papel se situa nos 400 milhões” compara Eugénio Sequeira avançando outro dado que causou perplexidade nos elementos da orquestra barroca. “Portugal gasta todos anos na importação de madeira de carvalho 470 milhões de euros para o fabrico de mobiliário”.  

Concluída a introdução ao montado, dividem-se as pessoas em grupo para a poda. Recebem tesouras e serrotes e embalagens spray com mistura de água e álcool para desinfectar as ferramentas de corte e assim prevenir e evitar a propagação das doenças que afectam os sobreiros.

Uma pernada defeituosa serve para explicar o que se deve cortar. Guilherme Santos esclarece que um ramo mal cortado “é uma ferida” no caule da árvore. Logo, deve evitar-se o desbaste excessivo de ramos, frisando que outras podas se seguirão ao longo da vida da árvore para que fique apenas com duas ou três pernadas para a formação da copa que lhe é peculiar.

Quem quer experimentar?, pergunta o técnico do ICNF. Duvidosos das suas capacidades na arte da poda, os elementos do Divino Sospiro pegam em tesouras e serrotes  mas alguns hesitam com receio de “ferir” a árvore. Os que esperam pela sua vez para podar sorriem da atrapalhação dos colegas, ou deles mesmos.

Uma mão experiente e paciente conduz as lâminas de corte no ponto do ramo escolhido, ouve-se um click e a haste cai. Lentamente somam-se as árvores tratadas.

Chega a vez do director musical da orquestra barroca, Massimo Mazzeo. Desconfortável com o vento frio que o enregelava, agarrou numa tesoura para “limpar” dos ramos um sobreiro que fora plantado há 17 anos e que tinha pouco mais que a sua altura, cerca de 1,85 metros. Habituado a exigir a rigorosa execução das partituras, mesmo assim considera a poda da árvore “um trabalho de cirurgia que requer um cuidado extremo para não ferir a árvore”, assinala, receoso de cortar onde não devia. Mas rapidamente tomou o gosto pela arte e os ramos foram caindo uns atrás dos outros.

“Estamos a assistir ao paradigma entre o homem e a natureza. Esta é uma lição de manutenção da biodiversidade” adiantou o músico ao PÚBLICO

Outra executante da orquestra segura numa serra para cortar um ramo mais grosso. ”Isto é muito bom. Aquece. E já estou menos fria.” O vento fortíssimo e frio não dava tréguas.

Mais adiante, Pedro Capa técnico do ICNF explicava ao grupo que o acompanhava os requisitos que a legislação impunha para proceder ao primeiro descortiçamento. O caule tem de ter 70 centímetros de diâmetro, comparando com o que observavam, naquele momento, que só tinha 56 centímetros. “Vamos ter de se esperar pelo menos mais uns cinco anos, para lhe tirar a primeira cortiça” que será utilizada no fabrico de aglomerados.

O respeito pela natureza encontra, por vezes, defensores absolutos. Uma das participantes recusou-se a podar porque “uma árvore é um ser vivo”. Como tal, não tinha coragem de a magoar.

A tarefa chega ao fim. Mas antes da viagem que a orquestra Divino Sospiro tinha de fazer de regresso a Lisboa, as sopranos Bárbara Barradas e Joana Seara entoaram às árvores o enxerto de um canto que mereceu efusivos aplausos de todos.
  
No dia anterior as sopranos deixaram “arrepiadas” — foi o termo mais ouvido — as cerca de 700 pessoas que assistiram na Igreja matriz de Almodôvar à abertura da 12ª edição do FTSS, com a sua interpretação da aria Siete Palabras de Cristo en la Cruz, de Francisco Garcia Fajer.

A reacção das pessoas deixou “extremamente sensibilizado” Massimo Mazzeo, que realçou a atenção que todos mantiveram na contemplação da intervenção artística assim como a sua “extraordinária concentração quando para a maioria das pessoas aquela não é uma música óbvia.” Com efeito, foram interpretadas obras de Charles Avison, Pedro Avondano e García Fajer.

Para além de Almodôvar o FTSS realiza concertos nos concelhos de Sines, Santiago do Cacém, Ferreira do Alentejo, Odemira, Serpa, Castro Verde e Beja.

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