Uma urgência demasiado esquecida
Perante a grave crise que atravessa a informação escrita em Portugal, poderes políticos sucessivos manifestam uma indiferença que não deixará de ter sérias repercussões no sistema democrático…
Portugal tem o índice de penetração da imprensa diária mais baixo da até há pouco chamada Europa Ocidental: umas sete a nove vezes inferior ao da Europa escandinava. E é provavelmente também o país que conta menos títulos diários relativamente às respetivas demografia e superfície. Como se isto não bastasse, diários há que correm o risco de deixarem de ser publicados. Enquanto outros se encontram em situação financeira grave, despedem jornalistas, diminuem o número de páginas e reduzem custos, o que se traduz numa inevitável perda de qualidade.
Perante tal situação absolutamente catastrófica, parlamentos e governos sucessivos guardam silêncio, mantendo-se indiferentes e inertes, como se isso não lhe dissesse respeito. A pontos de deixarem pensar que, no fim de contas, a classe política deste país preferiria fazer a sua vidinha sem que jornalistas e jornais se metessem-se nela. Ou dito de outro modo: sem que os cidadãos fossem minimamente informados do que se passa nas esferas do poder…
Sejam quais forem as críticas a fazer às caraterísticas dominantes dos mundos mediático e jornalístico, a circulação de uma informação de qualidade constitui um elemento indispensável ao bom funcionamento de uma democracia. Pelo que urge elaborar um plano suscetível de favorecer a sustentabilidade dos títulos existentes e, paralelamente, promover a criação de novos títulos.
Para além da sustentabilidade, conviria incentivar iniciativas que levassem os atuais diários de informação geral (em papel ou em linha) a reforçar as equipas de redação e a desenvolver o jornalismo de investigação, de reportagem e de análise, assim como as correspondências do estrangeiro, e mais particularmente da União Europeia e dos países de língua portuguesa. Mas também iniciativas de natureza a propor uma melhor cobertura da atualidade do país “do interior” e até o lançamento de cadernos regionais com informação e publicidade específicas. Assim como iniciativas suscetíveis de alargar consistentemente as magras difusões atuais, quer em Portugal mesmo quer junto da lusofonia no mundo.
Paralelamente, conviria privilegiar o lançamento de novos diários de informação geral (pelo menos em versões digitais) baseados em três ou quatro cidades das regiões de “baixa densidade”. De modo a descentralizar uma informação demasiadamente concebida em função de um litoral Centro-Norte e sobretudo de Lisboa e dos meios dirigentes (políticos, económicos, culturais, sociais e desportivos) que por lá reinam… Mas de modo também a favorecer uma informação regional concebida em termos de qualidade profissional, o que é raramente o caso hoje em dia.
Dirão os eternamente pessimistas que Portugal atravessa uma crise económica e financeira nada favorável a tais iniciativas. Só que a ajuda ao desenvolvimento de iniciativas em matéria de informação escrita (impressa ou digital) poderá ter como origem um fundo alimentado por financiamentos de origem muito diversa. De origem pública (União Europeia, Estado português e outros) e de origem privada: percentagem das receitas de publicidade das estações de televisão assim como dos diários e semanários gratuitos, imposição sobre a venda de tecnologias de telecomunicação (telemóveis, antenas parabólicas, redes de cabo, computadores, fornecedores de acesso à internet…), imposição sobre as receitas dos operadores de telecomunicações, contribuições voluntárias de instituições, empresas e pessoas privadas (dedutíveis da imposição fiscal)…
O fundo poderia ser solicitado por empresas de média já existentes ou por sociedades criadas em vista do lançamento de novos projetos. No caso de novas sociedades, estas teriam obrigatoriamente que ser constituídas por equipas de jornalistas, de comerciais e de gestores acionistas em proporções definidas por elas próprias. Em qualquer dos casos, os fundos seriam atribuídos mediante a apresentação de projetos editoriais, comerciais e financeiros circunstanciados, devidamente acompanhados dos comprovativos emanados das empresas de que as publicações seriam clientes. E os projetos seriam analisados e avaliados pela direção do fundo composta por elementos independentes de indiscutível competência em matéria de média de informação escrita.
Para além do financiamento do fundo, as instituições e empresas poderiam complementarmente participar neste apoio à informação generalista escrita através da subscrição a preço preferencial de assinaturas coletivas para o seu pessoal, fiscalmente dedutível. Como poderiam participar com inserções publicitárias também fiscalmente dedutíveis a partir de um certo número de inserções ou de montante financeiro.
A qualidade e a pujança de uma democracia estão estreitamente ligadas ao dinamismo e ao pluralismo da informação proposta aos cidadãos: há pois que cuidar dela, urgentemente. As autoridades políticas não podem continuar a ignorar o estado confrangedor em que se encontram os média de informação escrita, se não quiserem ser acusados de serem os primeiros responsáveis pelo definhar da democracia pluralista!…
Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles