Novas regras aplicadas à EDP poupam 120 milhões aos consumidores
Regulador da energia aperta vigilância sobre a EDP para garantir o cumprimento de regras que limitam as receitas do grupo liderado por António Mexia.
O conselho de administração da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) aprovou uma directiva que vai obrigar a EDP a apresentar informação detalhada sobre as transacções das suas centrais eléctricas com contratos de longo prazo (os chamados CMEC ou custos para a manutenção do equilíbrio contratual) no mercado de serviços de sistema.
No comunicado que divulga esta terça-feira, a ERSE diz esperar “uma poupança de custos para o consumidor de electricidade de cerca de 120 milhões de euros até 2020” (ou 24 milhões por ano) pelo simples facto de garantir que a EDP está a cumprir as regras que foram introduzidas num despacho de 2014. O diploma, de Abril, assinado pelo anterior secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, veio limitar o potencial de receitas do grupo liderado por António Mexia no mercado de serviços de sistema.
Este mercado traduz-se na venda de energia nos momentos em que o gestor do sistema, a REN, identifica um desequilíbrio entre a oferta (geração) e a procura de electricidade no mercado grossista. O serviço permite evitar a ocorrência de falhas graves de fornecimento, mas é também um dos custos que os consumidores suportam nas tarifas.
A actuação da EDP neste mercado está há muito sob o radar da ERSE. Em Março de 2013, a entidade liderada por Vítor Santos enviou à Autoridade da Concorrência (AdC) e ao Governo uma análise sobre os custos destes serviços que identificava “a possibilidade de estarem a ser incumpridas disposições da lei da concorrência” pela EDP, que tem posição dominante no mercado. Foi o ponto de partida para uma intervenção da AdC e do executivo então em funções, que determinou a realização de uma auditoria independente para averiguar se a EDP foi sobrecompensada no passado por via da fórmula de cálculo dos CMEC graças a uma potencial distorção das regras da concorrência.
O PÚBLICO apurou que os trabalhos desta auditoria, que está a ser conduzida por auditores externos contratados pela REN (e acompanhada pela ERSE, pela AdC e pela Direcção-geral de Energia, que integram a comissão de auditoria), estão já numa fase avançada. A conclusão será depois remetida ao Governo.
Ganhos adicionais
No comunicado, a ERSE recorda que comprovou em 2012 que os preços dos serviços de sistema subiram de forma “significativa”, mesmo tendo havido um aumento “expressivo da capacidade” existente em mercado para os prestar. Por isso realizou a análise com base na qual o anterior Governo viria a publicar o despacho que limitou administrativamente os preços dos serviços de sistema (uma medida que segundo a ERSE já poupou 50 milhões de euros aos consumidores). O mesmo despacho obrigou à “existência de proporcionalidade na participação” das centrais com CMEC no mercado de serviços de sistema e no mercado grossista de electricidade. Isto, pelas suspeitas de que a EDP privilegiava o uso das centrais sem CMEC na resposta aos pedidos da REN, de forma a conseguir ganhos adicionais.
Uma vez que as centrais com CMEC já têm um rendimento garantido com os serviços de sistema (por força destes contratos de longo prazo), a EDP podia subutilizá-las, favorecendo antes as centrais em mercado, que assim receberiam também uma remuneração. Isso mesmo afirmou a AdC em Novembro de 2013 (antes da publicação do despacho), quando recomendou ao Governo que revisse os CMEC, nomeadamente o mecanismo de revisibilidade, ou seja, a chamada parcela de acerto, em que também se incluem as receitas dos serviços de sistema.
Dizia então a autoridade reguladora que o facto de a EDP actuar neste mercado com centrais com contrato e centrais em mercado era susceptível de “criar um conflito de interesses na gestão das centrais CMEC”. Segundo a AdC, a EDP não tinha um “incentivo explícito” para maximizar as receitas de serviços dos sistemas com centrais CMEC (que já recebem por isso), preferindo antes favorecer as outras centrais, que poderiam assim beneficiar de uma receita adicional, via tarifa.
A AdC apresentava como exemplo o comportamento da hídrica de Picote, que tem três grupos produtores com CMEC e um grupo produtor em mercado, que entrou em funcionamento no final de 2011. O PÚBLICO sabe que foi precisamente a entrada em funcionamento do reforço de potência em Picote (no Douro) que permitiu à ERSE concluir em 2012 que as centrais com CMEC participavam menos neste mercado. Um dado que ajuda a ler alguns números divulgados na recomendação da AdC: entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2012, as receitas de serviços das centrais CMEC da barragem de Picote não foram além dos 51.900 euros, mas as da nova central em mercado atingiram 7,7 milhões.
Há “um risco de sobrecompensação” na revisibilidade dos CMEC que constitui “um factor de distorção da concorrência, por permitir à beneficiária ampliar a vantagem económica sobre os seus concorrentes”, afirmava então a AdC, recomendando alterações ao modo de cálculo dos CMEC e a realização da auditoria independente.