Conselho das Finanças Públicas diz que OE tem “riscos importantes”

Governo criticado por não levar em conta reacção dos consumidores à subida das taxas dos impostos e não especificar suficientemente as medidas de redução da despesa

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Conselho de Finanças Públicas é presidido por Teodora Cardoso, que é ouvida esta quinta-feira no Parlamento Rui Gaudêncio

O excesso de optimismo nas previsões económicas, a antecipação de ganhos demasiado elevados com os impostos indirectos e a estimativa de poupanças importantes com medidas que não estão suficientemente especificadas fazem com que a proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo contenha “riscos importantes”, defende esta terça-feira o Conselho de Finanças Públicas na sua análise da proposta de OE para 2016

A entidade liderada por Teodora Cardoso volta a expressar sérias dúvidas quanto à credibilidade das estimativas feitas pelo Governo, apontando a existência de riscos em quase todas as principais componentes do documento já aprovado na generalidade pelo Parlamento e neste momento em discussão na especialidade. Cenário macroeconómico, medidas de contenção da despesa, previsões de receita fiscal e controlo do investimento na Administração Local e Regional, tudo é colocado em causa na análise da CFP ao OE.

Quando, em Janeiro, publicou o seu parecer ao esboço do Orçamento do Estado, o CFP já tinha analisado as previsões do Governo para a economia, considerando-as bastante arriscadas. Em particular apontava-se para um excesso de optimismo em relação à evolução da procura externa numa conjuntura internacional muito incerta e para a não contabilização dos efeitos sobre a competitividade dos produtos portugueses devido à subida prevista para a inflação.

Agora, já com base na proposta final do Governo para o Orçamento do Estado (que inclui as alterações negociadas com Bruxelas), o CFP continua dizer que as previsões do Governo para a economia continuam a conter riscos, apesar de reconhecer que estes estão agora “mitigados pelas alterações entretanto introduzidas”.

Assim, quando analisa a credibilidade das estimativas orçamentais, tanto do lado da receita como da despesa, é natural que o CFP veja no cenário macroeconómico em que se baseiam todas as contas do Governo um dos principais riscos, especialmente porque este é “particularmente relevante para fundamentar as previsões de receitas fiscais”.

Mas, para além da evolução da economia, outros riscos são identificados nas previsões orçamentais. A entidade liderada por Teodora Cardoso mostra particular preocupação com a evolução esperada para a receita com os impostos indirectos, precisamente aquela que foi alvo de alterações por causa das medidas acrescentadas pelo Governo durante as negociações com a Comissão Europeia.

O relatório da CFP considera que, ao aumentar as taxas em impostos como os que incidem sobre o consumo de tabaco ou a aquisição de veículos, o executivo deveria levar mais em conta o efeito que isso provoca sobre o consumo. O CFP diz que “no caso dos impostos indirectos, não parece ser tida em conta a reacção previsível dos agentes económicos, de reduzir a quantidade procurada de bens sobre que incidem aumentos significativos da tributação”, avisando que este tipo de comportamento dos consumidores “implica um aumento de receita inferior ao que resultaria da simples aplicação da nova taxa à quantidade anteriormente transaccionada”.

Do lado das despesas, também são assinaladas muitas dúvidas. Num cenário de subidas de despesa motivadas pela reversão dos cortes salariais ou pelo fim do congelamento das pensões, o CFP vê poucas razões no orçamento para acreditar que as medidas de poupança que o Governo apresenta como compensações resultem.

A entidade que vigia as contas públicas portuguesas diz que essas medidas “não se encontram suficientemente especificadas”, avisando que deviam estar inseridas “num quadro plurianual que permita a realização de ganhos de eficiência, afastando a habitual avaliação de que melhorias de serviços implicam necessariamente mais meios em lugar da utilização mais eficiente dos meios existentes”.

Outra dúvida nas despesas está relacionada com as dotações que estão previstas para as prestações sociais, onde estão previstos “aumentos muito reduzidos relativamente a 2015, que não parecem em linha com medidas susceptíveis de explicar essa contenção”.

Ao nível do investimento, mais uma vez o CFP duvida da capacidade do Governo para cumprir as previsões de contenção feitas. Neste caso, é assinalado que o Governo quer acelerar a execução dos fundos comunitários do novo quadro comunitário, mas ao mesmo tempo prevê uma queda do investimento público este ano, apenas aumentando no caso das administrações regional e local.

Ainda assim, no que diz respeito ao investimento das autarquias e dos governos regionais, lembra-se que existe a intenção do Governo de isentar essas entidades da regra da dívida no caso dos empréstimos a contrair para financiar projectos com financiamento comunitário, uma medida que o CFP diz poder ”acentuar riscos de desequilíbrio financeiro” das autarquias e governos regionais.

Independentemente de estas dúvidas quanto à forma como vai evoluir a receita e a despesa, Teodora Cardoso e os seus pares assinalam que, mesmo que se cumpram as metas do Governo, isso não será suficiente para que Portugal cumpra aquilo que é suposto fazer em termos orçamentais de acordo com as regras definidas a nível europeu.

Em particular, mesmo nas previsões do Governo, o défice estrutural volta, tal como aconteceu em 2015, a não registar a redução exigida. “Em contraste com o esforço em termos estruturais verificado em 2014, os anos de 2015 e 2016 apontam para um abrandamento desse esforço, ainda que atenuado pelo contributo favorável da despesa com juros”, diz o relatório. E o CFP deixa um aviso: “Assegurar o cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, muito em particular a trajectória de ajustamento até atingir o Objectivo de Médio Prazo [que é de um défice estrutural igual ou inferior a 0,5%], determina a necessidade de apresentar um ajustamento orçamental dificilmente compatível com uma postura expansionista da política orçamental”.

É juntando todas estas dúvidas que o CFP acaba por concluir que a proposta de OE para 2016 “apresenta riscos importantes”. E pede ao Governo que, quando apresentar em Abril o Programa de Estabilidade, apresente “uma estratégia macro-orçamental coerente e clara quanto à natureza e timing das medidas a adoptar”. Só assim, defende, se poderá gerir os riscos do OE “e finalmente reduzi-los”.

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