António Costa é "um europeísta convicto, um homem da Europa"
Carlos Moedas diz ter defendido o esforço do Governo nas negociações sobre o Orçamento. O comissário português que tem a pasta da Investigação, Ciência e Inovação lamenta que a Europa passe mais tempo a resolver crises do que a pensar no futuro.
Elogia o primeiro-ministro, António Costa, que diz ser visto em Bruxelas como um "europeísta convicto", assim como o esforço português em dar resposta às regras comunitárias em matéria orçamental. O comissário europeu português, Carlos Moedas, que tem a pasta da Investigação, Ciência e Inovação, veio a Portugal falar do Plano Juncker, mas ao PÚBLICO assumiu o papel político da Comissão Europeia, embora afirme que as decisões que toma têm sempre fundamentos técnicos. Moedas, que como secretário de Estado adjunto de Passos Coelho era o interlocutor do Governo nas negociações com a troika, afasta para já a renegociação da dívida pública e os eurobonds, e não quer acreditar nem no "Brexit" nem na falta de entendimento europeu sobre a crise dos refugiados.
A Comissão Europeia é um órgão político, que toma decisões políticas. Por exemplo, em relação ao Orçamento português foi conhecida a acta relativa à discussão do Orçamento e confirma-se que as decisões não são meramente técnicas. Nessa discussão, sabendo-se que houve uma divisão, qual foi a sua posição?
A minha posição foi sempre clara. Primeiro, de reserva em falar publicamente sobre isso. Mas a minha posição foi sempre a de ajudar o país e ajudar a que o Orçamento pudesse ser aprovado. Apesar de não poder ter uma posição de país, porque não a posso ter de uma maneira clara, o que fiz nesses tempos difíceis [entre a apresentação do esboço e o orçamento final] foi explicar a dificuldade, porque eu conheço muito bem a dificuldade dessas negociações – vivi essas negociações e não era só com a Comissão, era com a troika. Tenho o maior respeito pelo ministro das Finanças e o trabalho inumano que é este tipo de negociações. A minha posição foi sempre de tentar ajudar o mais possível a esclarecer, a mostrar o esforço que Portugal estava a fazer para apresentar medidas. E pessoalmente eu sabia a dificuldade que é encontrar medidas. Eu passei noites a tentar encontrar medidas… Quando havia qualquer comentário de algum país que poderia perceber pior a situação, eu tentava explicar a dificuldade. Sem dúvida, tive sempre um papel positivo.
São injustas as acusações que se têm ouvido, até do primeiro-ministro, feitas ao PSD, em particular a Passos Coelho e a Paulo Rangel, no sentido de que tinham tentado influenciar para o chumbo?
Não vou fazer qualquer comentário sobre a política nacional nesse sentido. Como comissário ficar-me-ia muito mal. Obviamente percebo as discussões políticas…
Onde é que mudou a percepção em relação ao Orçamento português neste processo?
Repare, tudo começa por análises técnicas. Quando a discussão chega ao Colégio de Comissários, ela chega através de uma análise técnica. Portanto, a análise técnica que chega naquela primeira reunião do colégio era: para que Portugal consiga tecnicamente estar dentro do pacto, precisa de apresentar um xis número de medidas. E é isso que chega ao Colégio. A decisão, apesar de política, como é uma realidade, é uma decisão que tem tecnicamente de ser, ou não, corroborada. Aquilo que é apresentado ao Colégio é: num dia ainda falta xis medidas, vamos reunir na sexta-feira para ver se Portugal apresenta as medidas. Na última reunião pode ter havido comentários políticos de vária ordem que eu não posso revelar. Mas Portugal cumpriu aquilo que lhe foi pedido: apresentou o número de medidas necessário para poder ser aceite de uma forma técnica. Gostava de ser claro sobre isso. Obviamente depois há muito rumor sobre o que é que cada um disse [na reunião extraordinária do Colégio de Comissários].
A seguir a um encontro entre o primeiro-ministro e a chanceler Merkel…. Não vê nenhuma relação entre esses dois factos?
Não… Não vejo nenhuma relação entre esses dois factos, porque a chanceler Merkel não está sentada no Colégio de Comissários… Mas acho muito bem que o primeiro-ministro de Portugal tenha um maior contacto com a chanceler alemã. Faz todo o sentido. E Portugal, para além disso, tem tido um papel exemplar no ponto dos refugiados. Mas não penso que nesse dia... Que eu saiba, não!
Que medidas adicionais é que o Governo terá agora de apresentar para o Plano de Estabilidade?
Aquilo que foi pedido a Portugal é ter essas medidas, que vão ser apresentadas e que poderemos avaliar dentro do contexto em que avaliamos todas as outras medidas de outros países. Isto não é só uma história com Portugal. Eu já estive no Colégio de Comissários a ver as medidas que França apresentava no ano passado. E isso vai-se passar em Abril-Maio. Temos a expectativa de que o Governo apresente essas medidas, mas não posso fazer nenhuma avaliação a anteriori.
Não é um refugo dizer-se que são negociações técnicas, quando a questão é sempre política?
A sua pergunta faz-me pensar que a política é cada vez mais técnica e a técnica é cada vez mais política. E isso é uma realidade da política de hoje em dia. É muito difícil para um político não perceber de técnica e também é muito difícil para um técnico não perceber de política. Entramos numa nova geração da política. Lembro-me que quando era miúdo, os ministros das Finanças eram obviamente importantes como nos últimos anos. Os primeiros-ministros cada vez sabem mais dessa técnica. As decisões são sempre políticas e técnicas. Há sempre uma justificação técnica muito forte. E depois pode haver um complemento político.
Para si, o que é que é mais desestabilizador para a economia: ter governos com apoios maioritários de partidos de “extrema-esquerda” ou governos minoritários de direita?
Eu digo-lhe o que é mais desestabilizador hoje na Europa: o extremismo ou populismo, que pode ser de extrema-esquerda ou de direita. Os populistas têm esta característica de dizer sempre frases simples, diagnósticos que muitas vezes estão acertados. Muitas vezes os diagnósticos dos populistas como o Nigel Farage [UKIP] e a Marine Le Pen [Frente Nacional] põem o dedo na ferida, mas depois não sabem curar a ferida ou então a cura que têm para a ferida é cortar a mão. As pessoas estão cansadas da política mainstream, da política normal. Querem pessoas que venham vender um bocadinho um sonho de que são aquilo que não são. Não acredito que nenhum destes políticos seja muito diferente dos outros. Penso que vamos passar por uma fase na Europa em que muitos destes partidos radicais de esquerda ou de direita vão estar em governos e as pessoas vão-se dar conta de que eles são iguais aos outros. Vai haver bons e maus.
Não começou já a acontecer? Na Grécia?
O caso do Tsipras é realmente o caso de um homem que tem uma atitude de campanha que depois não tem nada a ver com a pessoa. Nesse sentido, houve uma mudança, uma evolução na maneira como ele olha para a política. Talvez porque uma das características do populismo, do extremismo, daqueles que nunca estiveram nos governos é pensar de um modo idealista sobre determinadas situações que não podem ser resolvidas [como tal]. Essa ideia de que vamos bater com a porta à Europa ou que vamos dizer à Europa o que fazer, nitidamente não tem resultado. Nenhum primeiro-ministro de países grandes. E muitos deles começaram com essa força… É um bocadinho a teoria dos jogos. Tem 28 pessoas à volta de uma mesa e há uma que decide: “Eu vou mudar isto tudo”. Simplesmente não acontece. É como em relação aos eurobonds, a renegociação da dívida. É deixar correr. São coisas que vão demorar muito tempo, não vale a pena estar excitado a pensar que vamos conseguir, nós, partir a loiça.
No caso do Orçamento, como é que a Comissão olha para o facto de o Governo ter o apoio de dois partidos vistos como de extrema-esquerda e com posições próximas com as do Syriza?
A Comissão Europeia não olha para isso. A Comissão Europeia olha para o Governo português, olha para um primeiro-ministro que é um europeísta convicto, um homem da Europa, que é muito bem-recebido, porque já conhece todas estas pessoas há muito tempo, que é um homem que toda a gente aprecia, que é um homem que gosta da Europa. Não há discussões sobre quais são os partidos que estão, ou não, a apoiar o Governo. Não está dentro das nossas discussões, nem nunca esteve. A conversa é [com] o primeiro-ministro, António Costa, que tem feito um grande esforço e que tem estado sempre presente e que desde o início tem estado ao lado da Europa.
Como é que acompanha o debate sobre a nacionalização do Novo Banco, quando já há pessoas como Vítor Bento a defendê-la?
O sistema financeiro é a chave do funcionamento de qualquer país e para isso precisa de estar estável e estabilizado. Não me posso pronunciar, em nome da Comissão, sobre essas escolhas que têm de ser feitas pelo Governo. Há um período ainda difícil a ultrapassar pelo sistema financeiro e o Novo Banco é uma peça fundamental desse sistema.
Mas a questão da venda do Novo Banco levanta questões como a possível perda da banca dos países periféricos para grandes bancos estrangeiros. Não é perigosa essa tendência?
É uma questão complexa, porque ela é uma consequência e não uma causa. Os estados poderem vir a perder os seus bancos tem a ver com uma causa anterior que foi a ligação entre a dívida bancária e a dívida soberana: os bancos tiveram que engolir dívida soberana, não só em Portugal, e houve uma contaminação entre o problema dos Estados e o sistema financeiro.
E vice-versa, houve contaminação da dívida bancária na dívida soberana…
Sem dúvida. Houve uma contaminação entre os dois e daí estarmos preocupados com a União Bancária, que vem travar essa ligação. A pergunta que me faz é mais difícil do ponto de vista económico: um país tem de ter um banco ou bancos exclusivamente nacionais ou de capital nacional? É uma questão difícil, porque hoje nenhum banco tem capital de um país só. A fragmentação das estruturas accionistas bancárias é tal que não se pode dizer que nenhum banco seja exclusivamente francês, ou inglês. Até que ponto é essencial ou não, não sei responder. Temos tendência a pensar do ponto de vista proteccionista, que temos de ter um banco nacional em todos os países. E essa é a realidade, é o sistema que temos tido, nos bons e nos maus momentos. Mas penso que hoje em dia as empresas e os bancos já não têm nacionalidade. No mundo da banca privada há uma maior fragmentação dos accionistas. Mas não há uma resposta económica, técnica, que diga qual a melhor solução.
Existe ou não um risco do sistema bancário português vir a necessitar de um resgate à espanhola, tal é a sua fragilidade neste momento?
Eu não tenho conhecimento desse risco, não penso que ele exista, mas vivemos num momento difícil em que existem fragilidades, e não só em Portugal. Daí a necessidade da União Bancária, com um sistema de resolução comum, toda a parte de garantia de depósitos que possam evitar futuros problemas bancários. Na Europa construímos um conjunto de mecanismos que prevêem problemas futuros, mas nem sempre consegue resolver os presentes.
Estagnação económica, crise dos refugiados, cenário de Brexit. A Europa está posta em causa?
Eu penso que a Europa é um projecto irreversível e que a nova geração de europeus nunca deixará que a Europa volte para trás. Mas os políticos ainda não perceberam que a maior parte da população não quer voltar para trás, por exemplo, na liberdade de circulação. Um estudo da Bloomberg avaliou em 1,4 triliões de euros o custo de acabar com Schengen e repor as fronteiras internas da UE. Vai parar as mercadorias, as pessoas, o tempo que isso vai custar às pessoas e às empresas! Na minha geração, tomamos isto tudo como sendo normal. A maior parte dos europeus são profundamente europeus nessa matéria, não querem fronteiras. Tal como na internet. Por isso tenho um optimismo moderado em relação a todas estas crises, mas a verdade é que estou há um ano na Comissão e passamos mais tempo a resolver estas crises do que pensar no futuro. A Europa é como um mecanismo de bombeiros…
Uma geringonça?
Não faço comentários sobre essa expressão, mas a Europa é um sistema como os bombeiros, está sempre a apagar fogos. É uma pena para a Europa. Mas vamos trabalhando nesse sentido. Criámos este programa Science4Refugees, precisamente para integrar refugiados com elevado potencial, que neste momento já envolve mais de mil instituições de investigação e ciência e foram abertas 744 vagas. O que prova que há uma grande Europa de pessoas solidárias que querem ajudar. Não podemos voltar para a Europa que conhecemos antes da 2ª Guerra Mundial, em que muitos países não aceitaram refugiados e esses que não foram aceites morreram. Há escolha em aceitar imigração económica, mas não em aceitar refugiados.
O comissário da Imigração foi bastante dramático, avisou que os países têm dez dias para se entender até à cimeira de 7 de Março, se não “há um risco real de todo o sistema se desmoronar…”
Eu acho que há um risco, realmente, mas não quero acreditar que ele seja possível...
O que é que se faz se isso não acontecer? Isso não é pior do que violar o Tratado Orçamental?
Não, isso seria terrível, não é nessa Europa que eu acredito e quero...
Mas não há penalizações para quem viole esse tipo de princípios…
Não há, mas repare a coragem do presidente Juncker, que decidiu criar o projecto de uma Guarda Costeira europeia, isso não foi bem recebido mas está a avançar. Tem que haver regras, tem de haver a responsabilidade dos países em registar as pessoas, os países têm de ser responsabilizados. Nós somos 500 milhões e não conseguimos resolver este problema? Isso revolta-me. Eu percebo o populismo, neste caso os populistas de direita, são argumentos fáceis mas inadmissíveis. Eu não os aceito. O medo do desconhecido vem sobretudo dos meios onde não há contactos com o outro, com o estrangeiro. A livre circulação, a começar pelos jovens, é o nosso maior seguro de que ela nunca vai acabar.
As condições dadas pela UE ao Reino Unido por causa do referendo à saída da União não pode abrir portas a que outros países peçam excepções e regimes próprios para permanecerem?
Não, penso que a relação do Reino Unido com a UE já era de per si específica, por isso acho que não abre precedentes. Este acordo é um acordo justo para com o Reino Unido, que não trava a constituição e a convergência de cada vez mais Europa para os países que o desejem. Nunca quis imaginar um cenário sem o Reino Unido, é essencial em tudo o que é Ciência, Inovação, mas é um país que também precisa muito do programa europeu Horizonte 2020, recebe muito dinheiro para os seus cientistas e estes gostam do programa.
Num cenário de saída, quanto é que a Europa perderia em termos de ciência?
Não ponho o cenário de saída em cima da mesa. Desejamos um Reino Unido contente com este acordo e dentro da Europa.