Bruxelas vê riscos orçamentais na reversão das concessões nos transportes

Técnicos da Comissão Europeia também criticam alteração do modelo de privatização da TAP. E consideram que o Governo perderá, assim, uma hipótese para cortar na despesa.

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TAP diz que está a tentar obter segundas vias dos documentos Nicolas Asfouri/AFP

Chamando-lhe um “retrocesso”, Bruxelas criticou esta sexta-feira as decisões tomadas pelo actual Governo que levaram à reversão das concessões nos transportes públicos e à alteração do modelo de privatização da TAP. Num relatório elaborado pelos técnicos da Comissão Europeia, estas medidas, tomadas, pelo anterior executivo PSD/CDS, trariam poupanças nas despesas, melhorando as condições de concorrência.

“Os processos de privatização da TAP e das concessões dos transportes urbanos de Lisboa e Porto parecem estar em retrocesso. O seu êxito traria economia de despesas públicas e introduziria um elemento de concorrência no mercado, assegurando simultaneamente uma melhor concepção e um acompanhamento mais rigoroso das obrigações de serviço público”, considerou Bruxelas no relatório de análise de cada país da União Europeia, relativo aos desequilíbrios macroeconómicos.

Na análise, a Comissão adverte para o impacto negativo que estas alterações podem ter para as contas públicas e pede a Lisboa que prepare “planos concretos para compensar” esses efeitos. “A fim de garantir a sustentabilidade financeira das empresas públicas, tal decisão deverá implicar planos concretos para compensar um potencial impacto orçamental negativo,” disse Bruxelas.

No caso da TAP, que o Governo de Passos Coelho vendeu no ano passado em 61% ao consórcio Atlantic Gateway, o modelo de privatização foi alterado para que o Estado suba a sua participação de 39% para 50%, pagando 1,9 milhões de euros. Além disso, poderá ter de aplicar outros 30 milhões num empréstimo obrigacionista de 120 milhões que deverá avançar em breve.

O actual executivo tem argumentado que, desta forma, o Estado terá um papel mais interventivo na estratégia da companhia, nomeadamente através do veto de qualidade do presidente do conselho de administração, a nomear pelo Governo. No entanto, não se sabe ainda em que moldes será feita esta intervenção, até porque o acordo final com o consórcio de Humberto Pedrosa e David Neeleman ainda está a ser fechado. Por outro lado, e apesar de passar a ter 50% do capital, os direitos económicos do Estado serão, no máximo, de 18,5% e a gestão permanecerá totalmente privada.

Já nos transportes públicos, foi feita a reversão total das concessões da Metro de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP, que tinha igualmente sido fechada pelo anterior executivo. Os privados que venceram o concurso, o grupo mexicano ADO, os franceses da Transdev e os britânicos da Alsa, já anunciaram que vão apresentar uma queixa contra o Estado por causa da decisão e poderão exigir o pagamento de lucros cessantes. E, ficando com estas empresas, o Estado terá de voltar atrás nas intenções do Governo de Passos Coelho e pagar novamente todos os anos indemnizações compensatórias pela prestação de serviço público. Isto sem esquecer as injecções de capital que estão previstas para este ano (223 milhões na Carris e na STCP), bem como os necessários investimentos na frota.

PPP com nota negativa

Outro risco apontado por Bruxelas diz respeito às Parceiras Público-Privadas (PPP). E, mais concretamente, à ausência de fiscalização de algumas concessões. No relatório divulgado ontem, a Comissão Europeia escreve que “foram alcançados progressos limitados no que toca à transparência”, pelo facto de ainda haver concessões sem qualquer escrutínio.

No documento, é feita uma referência à criação da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos, mas alerta-se que a estrutura acompanha apenas “um conjunto de PPP geridas pelo Governo central”, deixando de fora as concessões “no sector das águas, por exemplo, e as PPP a nível local e regional”. “Ficam assim excluídas e continuam a não ser fiscalizadas, pese embora os consideráveis riscos financeiros envolvidos. As autoridades têm conhecimento destas lacunas e concordam com a necessidade de encontrar uma solução, mas não foi ainda apresentado qualquer calendário concreto”, critica a Comissão Europeia.

Esta não é a primeira vez que Portugal é alvo de críticas por causa desta lacuna, numa área que sempre apresentou elevados riscos para as contas públicas. Em 2014, num relatório do Fundo Monetário Internacional sobre a transparência no país, a instituição concluiu que cerca de dois terços das PPP e concessões não são monitorizados centralmente. E que os contratos dos municípios e das regiões não eram sequer conhecidos. “Pouca ou nenhuma informação é fornecida sobre 75 concessões do Estado ou PPP locais”, referia o fundo, acrescentando que só estas PPP representam um investimento de 21,3 mil milhões de euros.

Os relatórios publicados ontem constituem apenas uma análise regular que Bruxelas faz antes de tomar decisões relativamente à conformidade das políticas económicas tomadas pelos países com as recomendações europeias. O relatório refere que este é um "documento de trabalho dos serviços da Comissão Europeia" e não uma "posição oficial da Comissão". Portugal encontra-se neste momento numa categoria 5 de 6, que requer “políticas conclusivas” e monitorização específica. No próximo mês saber-se-á se a Comissão considera que Portugal terá feito progressos a nível macroeconómico ou se, pelo contrário, subirá na classificação.

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