Já somos sete mil milhões e é cada vez mais difícil pensar em algo que não tenha sido feito ou pelo menos sonhado. Se calhar porque nesta altura já vimos demais durante demasiado tempo e as surpresas estão todas estragadas. Provavelmente também porque está a tornar-se virtualmente impossível dar um passo sem esbarrar com alguém.
Assim, a humanidade como espécie entrou em modo parasita ao tornar-se parte de um ecossistema que apenas depaupera sem efectivamente contribuir nada que não sejam buracos no ozono, combustíveis fósseis e guerras. Guerras essas que, segundo Marinetti e os futuristas italianos, eram a única forma de higiene humana, o que aparentemente é uma contradição relativamente ao que significa ser humano. A menos que a guerra sirva os nossos interesses materiais, de vingança ou qualquer que seja a mesquinhez que no momento apelidamos de causa. Nesse caso que se salvem as crianças e as mulheres para podermos continuar a prole a que pertencemos e aumentar os nossos números. O problema é que, com tanta gente viva actualmente, o rácio de estupidez tende a ser astronómico. Claro que se pode argumentar que a estupidez é discutível mas então também o conceito de humanidade o será, embora pareça ser suficiente nascer na espécie para ser automaticamente considerado membro. E citando Groucho Marx via Woody Allen, “eu não quero pertencer a um clube que me aceite como membro”.
Sendo todos as boas pessoas que somos não queremos que ninguém desapareça a menos que seja um incómodo no trânsito, na pirâmide hierárquica ou na fila do supermercado. Nesse caso aquele preto, gordo ou velho estavam mesmo a pedi-las.
Como somos todos especiais, podemos assim continuar a esgotar os recursos do único planeta, que até à data, nos parece tolerar. E da mesma forma pomos e dispomos das outras espécies, animais ou plantas, como os tiranos da história que utilizamos como termo de comparação para o mal. Porque os bons somos nós, os maus são os outros.
O problema é que, quando surge uma praga de ratos, soltam-se os gatos, por isso é caso para perguntar onde estará o nosso predador? Ou será que somos nós o nosso próprio predador?
Entretanto continua o crescimento demográfico desenfreado mas tudo bem porque mais pessoas significam mais produtores e mais consumidores, mantendo assim a génese do sistema mercantil a funcionar, ou seja, a roda dentada é cada vez maior e mais forte, com cada vez mais servidão idêntica àquela em que estamos enrodilhados. E isso atenta contra a nossa identidade e a nossa ilusão de que somos únicos e imprescindíveis, quando na realidade nenhum de nós o é. Somos tão pouco importantes como assumimos que uma ameba o é. A diferença é que o nosso ego nos impele a assumir-nos como seres únicos e por isso a espécie mais inteligente e a única desenvolvida do universo.
Mas não somos, e para o constatar basta um dia em que o planeta acorde para o lado errado para sentirmos a nossa clara vulnerabilidade. Qualquer vírus invisível, doença ou catástrofe chega para compreendermos quão frágeis somos.
E se fossemos tão desenvolvidos quanto gostamos de clamar perceberíamos, quando estamos numa montanha ou frente ao oceano, realmente quão insignificantes somos. Por mais que o sejamos.