Empresa da Galp que controla único oleoduto do país põe Estado em tribunal

A Companhia Logística de Combustíveis (CLC), controlada pela Galp, contesta a obrigatoriedade de abrir o oleoduto à concorrência. AdC já afirmou que medida poderia reduzir preços dos retalhistas.

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O único oleoduto do país começa na refinaria da Galp, em Sines José Manuel Ribeiro/Reuters

A Companhia Logística de Combustíveis (CLC), dona do oleoduto que liga o parque de armazenagem de combustíveis em Aveiras de Cima à refinaria da Galp, em Sines, pôs o Estado em Tribunal. O motivo é a nova lei de bases do sistema petrolífero, publicada no final do ano passado, e que declarou as instalações desta empresa controlada pela Galp (65%), BP Portugal (15%), Repsol (15%) e Rubis (5%) como sendo de interesse público.

O diploma, que o anterior Governo PSD/CDS aprovou com “a expectativa” de que viria aumentar a concorrência no mercado dos combustíveis, obriga a empresa a dar acesso a outros operadores ao único pipeline de transporte de combustíveis do país, através de uma tarifa negociada. Apesar destas regras ainda terem de ser regulamentadas pela Entidade Nacional do Mercado dos Combustíveis (ENMC), a sua legalidade já está a ser questionada no Supremo Tribunal Administrativo pela CLC. “A nova lei de bases cria significativas limitações à actividade da CLC que a empresa considera injustificadas e que pretende que sejam declaradas ilegais”, comentou ao PÚBLICO o seu administrador-delegado, José Sepodes.

Questionado sobre as motivações do legislador para impor a abertura dos activos à concorrência, José Sepodes sublinhou que o acesso de terceiros “é já hoje livre, e é concedido, em condições não discriminatórias, às entidades interessadas em colocar produtos petrolíferos desde o início do oleoduto em Sines”, que está dentro dos terrenos da refinaria da Galp. Razão pela qual os privados, que investiram cerca de 200 milhões de euros na constituição da CLC, consideram “não haver motivos para pretender condicionar legalmente o modelo de negócio da empresa”.

A nova lei diz que a propriedade do oleoduto e dos tanques de armazenagem de combustíveis de Aveiras se mantém na CLC, mas, uma vez que as infra-estruturas foram consideradas de interesse público, a empresa deverá permitir o acesso às suas instalações “através de uma solução negociada, em condições técnicas e económicas não discriminatórias”, aplicando preços que deverão ser tornados públicos. José Sepodes assegurou ao PÚBLICO que a empresa vai “cumprir as obrigações legais”, mas “não se pode conformar com pretensões de controlo típicas de mercados com regulação económica, quando a fileira do petróleo funciona de acordo com regras de livre concorrência e em que os riscos são assumidos pelos agentes económicos”. Daí que tenha avançado com a acção, que a Presidência do Conselho de Ministros e o Estado português já “foram citados para contestar”, como confirmou ao PÚBLICO fonte oficial do gabinete da ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques.

Nas várias análises ao sector dos combustíveis, a Autoridade da Concorrência (AdC) tem defendido que não existem em Portugal alternativas economicamente viáveis à CLC para o transporte de produtos petrolíferos e que, por isso, o acesso de terceiros a estas infra-estruturas (que neste momento são utilizadas apenas pelos seus accionistas) é “a medida estrutural com mais impacto no mercado dos combustíveis”. Segundo a AdC, essa garantia de acesso permitiria o aparecimento de novos operadores no mercado, que assim poderiam importar produtos petrolíferos já refinados a partir do porto de Sines, deixando de depender da refinaria da Galp. Isto pressionaria, de acordo com o regulador, uma redução dos preços retalhistas, através da redução das margens das petrolíferas.

A capacidade de importação de operadores alternativos não fica, contudo, automaticamente garantida com a nova lei. É que o oleoduto de 147 km que abastece Aveiras termina precisamente na refinaria, pelo que o troço de quase 8 km que a separa do porto continua a ser um obstáculo às importações via Sines. Este é o único porto português de águas profundas preparado para receber navios de grande dimensão e, por isso, atrair grandes traders internacionais, com menores custos. Para que essa possibilidade se concretize, além da extensão do pipeline é ainda necessário contar com o investimento em tanques de armazenagem no porto (à semelhança do que está a fazer a Repsol, que pretende passar a receber gasóleo das suas refinarias em Espanha ou garantir abastecimento com operadores internacionais).

Por isso, apesar de a entrada de novos operadores estar sempre sujeita ao interesse em investir no mercado português, o diploma, conforme afirmou uma fonte ligada ao processo, quer assegurar que há incentivos para que isso aconteça, garantindo que potenciais investidores possam construir o troço de 8 km e um parque de tanques sabendo que o seu acesso ao oleoduto, não será condicionado.

O cenário de separação total das actividades de refinação, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização (que aconteceu no mercado eléctrico e do gás, e que obrigou a Galp a vender activos de transporte e armazenamento de gás à REN) foi sugerido pela AdC, mas não vingou. Ainda assim, a nova lei de bases abre a porta a que a tutela possa intervir se considerar que há obstrução à concorrência, expropriando os accionistas e concessionando as instalações de transporte e armazenagem em regime de serviço público. Nestas circunstâncias, nenhuma empresa que acumule actividades de refinação e transporte, como a Galp, poderá deter mais de 20% do capital da CLC. Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, este é um dos aspectos de cuja legalidade a CLC duvida.

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