Não só mas também, Senhor Ministro!

É vital para Portugal oferecer reduzidos níveis de burocracia e elevados níveis de eficiência no funcionamento do nosso sistema administrativo.

O novo Ministro da Economia Manuel Caldeira Cabral declarou que "não são os níveis de fiscalidade que dissuadem os grupos internacionais" de investir em Portugal mas "também não é a fiscalidade que os atrai. O que os atrai é o acesso a boas condições de trabalho e de competitividade que Portugal pode oferecer".

Adiantou ainda que as empresas estrangeiras procuram a "estabilidade, boas infra-estruturas e um bom funcionamento da Economia", e que "para estas empresas os custos de contexto têm a ver com a falta de burocracia e haver uma confiança de que o sistema político e público funciona de uma forma que não lhes cria maiores entraves (...) ”. Em conclusão, Manuel Caldeira Cabral afirmou não esperar uma quebra do investimento estrangeiro.

Podia ter ficado descansada com tal conclusão. Mas não fiquei.

Analisadas as declarações sobre a relevância do nosso sistema fiscal no contexto das escolhas dos investidores estrangeiros, quase que podia estar de acordo. De facto, não são só os níveis de fiscalidade que dissuadem o investimento estrangeiro em Portugal mas também o são e em grande medida.

Os níveis de fiscalidade, as escolhas da incidência fiscal e a estabilidade legislativa nesta área – ou a falta dela – são factores absolutamente críticos, ponderados, a todo o tempo, pelos agentes económicos, e, por maioria de razão, pelos que podem escolher a geografia onde instalar a sua actividade económica.

Mas o Ministro da Economia tem razão em parte. Na decisão de investir em Portugal a fiscalidade não é o único critério. Os custos de contexto relacionados com os níveis de burocracia e a confiança num bom funcionamento do sistema político e público Português também contam. Ora, aqui, estamos de acordo quanto à relevância destes factores.

Neste contexto, é vital para Portugal oferecer reduzidos níveis de burocracia e elevados níveis de eficiência no funcionamento do nosso sistema administrativo.

No entanto, também aqui há muito caminho a fazer para que não se registe a quebra que o Ministro confia que não ocorrerá.              

É verdade que nos últimos anos se desenvolveram esforços nesse sentido. Quem não se lembra do Simplex?

Portugal correu atrás de um grande objectivo. Pretendia-se uma Administração mais moderna e transparente em benefício dos cidadãos e empresas, aumentar os níveis de confiança nos serviços públicos e, no campo de actuação das empresas, aligeirar formalidades e eliminar carga inútil. Com tais medidas, apostou-se no aumento da competitividade do mercado Português.

Vivemos anos de simplificação, desformalização, desmaterialização, desburocratização, celeridade, enfim, a prometida modernização. No que respeita à constituição de sociedades, alterações dos seus termos constitutivos, funcionamento de serviços registais, prática notarial, acesso a portais eletrónicos, formulários online, serviços na hora, desmaterialização e simplificação de processos administrativos, a modernização aconteceu.

O Simplex não foi apenas medidas legislativas soltas e distantes da vida das pessoas. Todos - cidadãos e empresas – beneficiaram, e ainda hoje beneficiam, delas no terreno.

Quem trabalha diariamente com empresas, cartórios, conservatórias e (alguns!) serviços públicos, sabe o salto que Portugal deu. Quando comparados com outras jurisdições (mesmo as mais ricas e sofisticadas), estamos a anos-luz! Não tenhamos dúvidas quanto a isso. No entanto, não obstante muito estar feito, estamos ainda longe de ser um destino de eleição.

Lamentavelmente e com grande custo para o país, sobreviveram inúmeros maus exemplos.

Deparamo-nos demasiadas vezes com entidades mal preparadas e desinteressadas no atendimento público. E quando se pretende remover obstáculos às empresas - e, por essa via, atrair investimento estrangeiro – isto não pode continuar a acontecer.

Não podemos ter entidades que comunicam de forma deficiente e limitada com os agentes económicos. Não podem existir dias marcados para atendimento, horários reduzidos, e-mails gerais, sem nome e sem cara. Não podemos continuar a ter prazos de resposta demasiado longos e sem qualquer sanção para o seu incumprimento. Não podemos continuar a aplicar taxas demasiado elevadas às empresas para o deferimento de qualquer pedido. Não podemos manter responsáveis impreparados a tomar decisões tardias. Não podemos permitir que tais responsáveis continuem a aplicar excessivamente a lei como forma de protecção própria - em nome do controlo das actividades económicas - sem qualquer consequência ou penalidade.

É o exercício diário destes pequenos poderes, não controlados e não sancionados, que minam irremediavelmente a confiança dos agentes económicos e que afastam, em benefício de outros destinos, o investimento estrangeiro de Portugal.

A reduzida eficiência destes serviços afecta a vida das empresas, impacta na sua operacionalidade e destrói a sua capacidade de criar riqueza. Todos sabemos isto. As empresas nacionais sabem isto e, não sejamos ingénuos, os investidores estrangeiros sabem isto.

A verdade é que, a par da fiscalidade, os nossos custos de contexto continuam altos. Assim, antes fossem os níveis de fiscalidade a dissuadir os grupos económicos internacionais de investir em Portugal. É que esses podem ser alterados por acto legislativo e mantidos estáveis. Haja essa vontade.

Todavia, ainda existe burocracia, inércia e irresponsabilidade em níveis suficientes para manchar a nossa competitividade. A tal competitividade que Portugal podia oferecer...

Advogada, sócia da área de Private Equity de PLMJ

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