Duas flores ficaram presas 30 milhões de anos em âmbar
São os fósseis mais antigos do grande grupo de plantas asterídeas, onde se inclui a batateira, o cafeeiro e a oliveira. Mas a Strychnos electri, a nova espécie, faz parte de um género de plantas venenosas.
Há cerca de 30 milhões de anos, um pedaço de resina de uma árvore capturou duas flores de uma planta que vivia numa montanha situada no que hoje é o Norte da República Dominicana, conhecida por ter um reservatório rico de fósseis preservados em âmbar. É vulgar encontrarem-se insectos e outros artrópodes intactos no âmbar. No caso das plantas, só se costumam descobrir pequenos fragmentos. Por isso, estas duas flores, com as suas pétalas e outras estruturas bem conservadas, representam uma rara oportunidade de viajar ao mundo vegetal do passado, mostra um artigo publicado na revista Nature Plants.
As duas flores serviram para definir a espécie Strychnos electri (electri vem de elektron, âmbar em grego), hoje extinta. Mas são também os mais antigos fósseis descobertos das asterídeas, um dos grandes grupos evolutivos das angiospérmicas (as plantas com flor) que conta com 80.000 espécies, onde se inclui a batateira, o cafeeiro, a oliveira, a planta da batata-doce, a lavanda, o girassol, o jasmim, o freixo e o sésamo. Mas a Strychnos electri pertence a um género mais conhecido por ter plantas que produzem venenos poderosos como a estricnina, um famoso pesticida de ratos.
Há cerca de 200 espécies do género Strychnos, da família da Loganiaceae. Estas plantas existem em todos o mundo na região dos trópicos, crescendo como arbustos ou trepadeiras. Só restando as flores, é impossível aos botânicos terem uma ideia de como era uma planta desenvolvida da Strychnos electri. Ainda assim, os fósseis deixam os biólogos maravilhados.
“Os espécimes são belíssimos, são fósseis de flores perfeitamente preservadas, que numa dada altura no passado eram produzidas por plantas que habitavam uma floresta tropical húmida com árvores grandes e pequenas, com plantas trepadeiras, palmeiras, herbáceas e outro tipo de vegetação”, conta George Poinar, num comunicado da Universidade Estadual do Oregon, onde trabalha, nos Estados Unidos, e que nos ajuda assim a imaginar o luxuriante mundo da Strychnos electri. “Espécimes como estes dão-nos um conhecimento aprofundado da ecologia dos ecossistemas que existiam num passado antigo”, acrescenta o investigador e co-autor do artigo.
Em 1986, numa expedição à cordilheira setentrional da República Dominicana, George Poinar trouxe juntamente com estas flores outros 500 fósseis conservados em âmbar, a maioria insectos. O biólogo passou décadas entretido a estudar os insectos, até que finalmente as flores lhe despertaram curiosidade.
“Parecia que elas tinham acabado de cair de uma árvore”, diz o investigador, num comunicado da Universidade Rutgers, em New Jersey (EUA). “Achei que poderiam ser do género ‘Strychnos’ e enviei-as para [a investigadora] Lena Struwe, pois sabia que ela era uma especialista neste género.”
Não se sabe exactamente a idade dos fósseis. As datações que se conseguiram fazer dos âmbares encontrados numa mina daquela montanha apontam para entre 15 e 45 milhões de anos.
Lena Struwe, botânica da Universidade de Rutgers, serviu-se de fotografias e de flores de outras espécies do género Strychnos para as comparar com os fósseis. A conclusão foi que a forma dos novos espécimes eram suficientemente semelhante à das flores das outras espécies de Strychnos para serem incluídos neste género, mas apresentavam diferenças que também os tornam únicos. O estilete (o tubo comprido que faz parte do ovário da planta) é muito grande em relação ao comprimento do resto da flor, que tem menos de um centímetro, e está completamente fora da corola (o conjunto das pétalas). Nas outras espécies de Strychnos, a corola é mais comprida e o estilete está metido mais para dentro.
De resto, as flores da Strychnos electri são caracterizadas por terem a forma de corneta com as cinco pétalas parcialmente fundidas. Vistas de cima, é fácil reconhecer cinco estames (os órgãos sexuais masculinos que produzem o pólen) no interior da flor junto das pétalas. Do meio, sai o estilete comprido. As sépalas e o resto do ovário estão ausentes e terão sido separados do resto das flores antes delas terem sido engolidas pela resina.
“A flor está incrivelmente bem preservada, não está deformada nem fragmentada em pedaços”, diz Lena Struwe, a outra autora do artigo, citada pela agência Reuters. “Estes pedaços de âmbar são como cápsulas do tempo, um momento de vida congelado que agora podemos reviver e estudar.”
Estas cápsulas do tempo também ajudaram a compreender melhor a evolução. O fóssil mais velho de uma planta com flor conhecido tem cerca de 130 milhões de anos, já no Cretácico (o último período da era dos dinossauros, o Mesozóico). Mas pensa-se que as angiospérmicas tenham aparecido há mais de 160 milhões de anos, ainda no período Jurássico. As asterídeas terão surgido há cerca de 120 milhões de anos e estima-se que a família da “Loganiaceae” apareceu há cerca de 60 milhões de anos, já no Paleogénico (o primeiro período da era actual, o Cenozóico).
O novo fóssil conta-nos que, cerca de 30 milhões de anos depois, a evolução desta linhagem ia avançada e o género Strychnos já tinha surgido. O facto de este género proliferar tanto nos dias de hoje é uma prova do seu sucesso. “As espécies de Strychnos são quase todas tóxicas”, diz George Poinar, referindo-se a moléculas como a estricnina, que são da família química dos alcalóides. “Cada planta tem o seu tipo de alcalóide. Algumas são mais tóxicas do que outras, e talvez tenham sido bem-sucedidas porque os seus venenos lhes deram uma defesa contra os herbívoros.”