Se houvesse mais mulheres no poder as decisões seriam diferentes?

A pergunta tem resposta difícil. Tanto que até mesmo duas deputadas não a conseguem dar.

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O debate encheu o pequeno auditório da Sociedade Portuguesa de Autores Nuno Ferreira Santos

Ter mulheres em cargos de poder político altera a substância do poder e as decisões que são tomadas? A pergunta não tem truques, mas a resposta é difícil, pelo menos para duas deputadas, dada a falta de estudos sobre o assunto. Nem mesmo no poder autárquico, onde o exercício da política se faz de forma bem mais próxima do cidadão, Mariana Mortágua e Rita Rato conseguem perceber se o poder no feminino é exercido de uma forma melhor ou pior do que no masculino.

Para a bloquista Mariana Mortágua, não há uma ligação assim tão directa entre o número de mulheres no poder e um modo diferente de fazer política. Para a comunista Rita Rato também não mas, como recorda, na passada legislatura, na Assembleia da República mais “feminina” de sempre, já com a lei da paridade em vigor (33% das listas tinham que ser deputadas), aprovaram-se alterações muito mais restritivas à interrupção voluntária da gravidez, assim como à lei do trabalho, aumentando, por exemplo, o horário de trabalho e criando o banco de horas, reduzindo o tempo disponível para as mulheres estarem com os filhos.

“Será que podemos concluir que só por se ser mulher se defende melhor os direitos das mulheres?”, ironizou a parlamentar comunista.

As duas deputadas do BE e do PCP participaram nesta segunda-feira ao fim da tarde num debate sobre democracia paritária, numa iniciativa da Associação Abril que pretende evocar Maria de Lourdes Pintasilgo e recuperar o seu pensamento político-social. Estava também prevista a participação da deputada socialista Isabel Moreira, mas esta acabou por não comparecer devido a compromissos por causa do Orçamento do Estado. A intenção era discutir-se a paridade na política e o que isso implica na liderança, governabilidade e novos modelos de gestão em sociedade. Mas o longo período de intervenções levou a discussão a fugir para outros temas como a educação ou a falta de motivação dos jovens para a política.

Sub-representação feminina
Depois de mais de hora e meia de conversa não se chegou a grandes conclusões, mas uma coisa é certa: há uma sub-representação formal e numérica feminina na política em Portugal. Há poucas mulheres no Governo, só há uma mulher no Conselho de Estado e, se há uma percentagem aceitável de mulheres no Parlamento, é porque há um sistema de quotas, assinalou Mariana Mortágua, que realçou que, apesar de os partidos cumprirem o sistema de quotas na elaboração das listas eleitorais, muitas mulheres acabam por desistir e dar o seu lugar ao homem que vem a seguir na lista.

Rita Rato haveria de lembrar que nunca houve um secretário de Estado da Igualdade — apenas mulheres assumiram a pasta. Mas Mariana Mortágua lá admitiu que no Governo PSD/CDS Teresa Morais, que como deputada votou contra matérias como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teve “abertura a alguns temas que nunca chegariam a ser tratados” se a pasta estivesse entregue a um homem.

Mas mais do que uma questão de número, o problema são as “jarras”. De flores? Nada disso: “Quando é preciso uma mulher num painel para cumprir um figurino e uma quota, coloca-se uma mulher para moderar”, apontou a deputada bloquista, que se queixa de que isto acontece até no seu partido, embora no Bloco haja quotas de 50/50 — enquanto a lei da paridade obriga a apenas 33% de mulheres.

Mariana Mortágua concorda com a existência de quotas, que são um “bom mecanismo para trazer mulheres para a política e para contrariar o conceito que se instalou” de que as mulheres não têm grande interesse pelo tema. Têm, garante a deputada — muitas só precisam desta espécie de empurrão para que se possa “construir um ser político”.

O que é preciso é “fazer pedagogia dentro dos partidos” e no Bloco chegam a, por exemplo, monitorizar a participação das mulheres nos debates públicos — sim, porque uma coisa é serem números e “jarras”, outra é participarem activamente.

PCP contra quotas
Já a comunista Rita Rato é contra a imposição de quotas de paridade e diz que a CDU até teve que tirar mulheres de algumas listas de candidaturas às autarquias. A posição subalterna das mulheres na política ou na sociedade em geral não pode ser desligada da discussão sobre as consequências do período de 48 anos de fascismo em Portugal, que inculcaram na vida colectiva o “conceito da subalternização da mulher na família e na sociedade”.

“Temos muito caminho por fazer” em termos de igualdade entre homens e mulheres na política, admite a deputada de 33 anos. “A luta pela emancipação da mulher é a luta por um país mais justo.” As duas deputadas concordaram que Portugal tem uma Constituição que é das mais “progressivas” da Europa, que recusa a discriminação com base no sexo, mas a prática é muito diferente. “O desafio é como é que a igualdade na lei se transforma na igualdade na vida”, aponta Rita Rato.

Durante a conversa com a meia centena de pessoas que enchiam o pequeno auditório da Sociedade Portuguesa de Autores, Rita Rato e Mariana Mortágua não conseguiram evitar puxar a conversa para as questões políticas e económicas gerais e para a sua terminologia partidária.

A ‘Belmira’ e a ‘Alexandra’
A comunista falou nas dificuldades laborais levantadas às mulheres que são mães, disse que “o reforço dos direitos do pai não pode significar a perda de direitos da mãe” e questionou-se se a Sonae ou a Jerónimo Martins fechariam os supermercados ao domingo se à frente desses grupos estivesse uma ‘Belmira’ ou uma ‘Alexandra’, porque “estar com a família e os amigos ao fim-de-semana também foi uma conquista de Abril” — “tenho dúvidas”, respondeu a si própria.

A bloquista defendeu que a participação das mulheres na vida pública “não resolve os problemas do capitalismo” e que “para a ‘Belmira’ poder liderar a Sonae ou está a acumular tarefas em casa ou está a contratar outra mulher que o faça por ela”. Mariana Mortágua criticou a “lavagem cerebral, sobretudo aos jovens, que existiu na legitimação do sistema capitalista” nos últimos anos com o “programa ideológico” do Governo PSD/CDS.

E avisou ser preciso avaliar “que espaço temos, democraticamente, para construir o futuro quando temos uma nova crise financeira à porta com a China no descalabro, o maior banco alemão perto de falir, o Reino Unido a querer sair da União Europeia, uma crise de refugiados nas portas da Europa, e o ministro das Finanças alemão acha que o problema da instabilidade dos mercados financeiros é o orçamento português que é um orçamento minimalista, recuado em muitas coisas, mas que está a recuperar direitos — o que os chateia imensamente. E nós, mais tarde ou mais cedo, temos que repensar esta brincadeira onde estamos metidos porque ela é um colete-de-forças brutal.”

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