Dia de finados
O “povo” invariavelmente deu a seu afecto a personagens secundárias, com pouca influência e cujo desinteresse pelo poder era notório.
O dr. Cavaco resolveu condecorar oito antigos ministros com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. À primeira vista a escolha parece aleatória, mas de perto é mais do que evidente. Os cavalheiros que foram, como se costuma dizer, “agraciados” tiveram de maneira geral uma carreira infeliz no governo ou acabaram por se demitir ou serem pura e simplesmente expulsos. Basta contar as cabeças deste desditoso grupo: Vítor Gaspar, Álvaro Santos Pereira, Luís Campos e Cunha, Paulo de Macedo, Maria de Lurdes Rodrigues, Bagão Félix, Nuno Crato e Rui Pereira. Nenhum deles com certeza ficará na história das longas desgraças portugueses. Só que o dr. Cavaco não lhes deu a Cruz para os consolar; o Presidente da III República mais detestado de sempre quis sobretudo deixar, a dias de sair, um lamento público pela “ingratidão” com que a Pátria o abandonou.
Para ele, os sete cavalheiros e a senhora, que quase lacrimejantemente distinguiu, representam a mesma injustiça de que ele se queixa. E, podendo pôr neste capítulo pôr o mundo a direito, Cavaco fez com que a própria República na sua egrégia pessoa os recompensasse das lágrimas que todos choraram a bem da Pátria, “independentemente” do seu papel político no governo. Não sei se Vítor Gaspar ou Paulo de Macedo se comoveram muito com a distinção. Mas sei que o sentimento normal da gente que nos pastoreou desde, pelo menos o século XVIII é o de que Portugal não aprecia os seus grandes filhos e que está eternamente morto por os ver pelas costas.
Fora as cerimónias de Estado, ninguém lamentou o desaparecimento ou a morte do sr. rei D. João V, ou de Pombal , ou do arcebispo de Tessalónica (confessor da rainha D. Maria I) ou de qualquer dos membros da longa série dos caudilhos liberais, que por aí andaram entre 1820 e 1910. O “povo” invariavelmente deu a seu afecto a personagens secundárias, com pouca influência e cujo desinteresse pelo poder era notório, como José Estêvão ou Passos Manuel. Tirando o histerismo que Sidónio provocou, os donos da República foram sem excepção tratados com desprezo e ódio. Depois, nem vale a pena mencionar o pessoal do “28 de Maio” e da Ditadura. E, quanto ao PREC, ainda continua universalmente a meter medo e nojo. Cavaco, no fundo, teve muita sorte.