O “bebé adorável”, que foi como a mãe primeiro o descreveu aos jornalistas, “sempre teve alguma dificuldade em entender o interesse em redor da sua figura, mas desde cedo se apercebeu que o seu nascimento tinha alguma coisa de diferente”. “Toda a gente à minha volta sabia como é que eu tinha nascido”. Quando notava “mais confusão” era nos seus aniversários, escreve a jornalista Sandra Moutinho no seu livro Filhos da Ciência, que foi lançado nesta quinta-feira.

Para Carlos Saleiro este talvez seja mais um aniversário, completa 30 anos a 25 de Fevereiro, mas talvez volte este ano a haver “confusão”. Faz três décadas desde que ele nasceu em Portugal e que assim se tornou o primeiro bebé-proveta português, assim chamado porque resultou de uma fertilização in vitro, uma técnica que consiste na junção dos espermatozóides e óvulos em meio laboratorial e posterior implantação do embrião no útero da mulher. Tinha 3,3 quilos e 50 centímetros e veio a tornar-se futebolista do Sporting. Hoje joga no Oriental, da II Liga.

O “médico-proveta” português, como lhe chama a autora, foi António Pereira Coelho que, perante a notícia daquela gravidez especial, reagiu com “um valente murro na parede”, recorda a mãe do primeiro bebé-proveta.  Alda e Carlos Saleiro faziam parte de uma lista de onze casais seleccionados para se submeterem ao primeiro FIV, em Julho de 1985, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Mas a sua gravidez foi a única que chegou a bom porto e a mãe lembra o cenário invulgar de ter à porta do hospital, pouco antes da cesariana, o médico à sua espera, completamente em estado de pânico, como se fosse o pai.

No seu livro, editado pela Marcador, a jornalista da agência Lusa Sandra Moutinho conta este episódio que marca a história da Procriação Medicamente Assistida no país, e que tinha acontecido pela primeira vez no mundo há quase oito anos. A 25 de Julho de 1978, nasceu a inglesa Louise Brown, a primeira bebé-proveta no mundo, o feito pertencia a uma equipa formada pelo embriologista Robert G. Edwards, que viria a receber o Prémio Nobel da Medicina, 32 anos depois do nascimento, e o ginecologista Patrick Steptoe.

Hoje estima-se que haja mais de cinco milhões de crianças no mundo concebidas com a ajuda da ciência. Em Portugal, todos os anos, 2,5% do total de crianças que nascem no país são resultado de técnicas de procriação medicamente assistida, escreve no prefácio da obra Alberto Barros, especialista em Genética Médica e um dos pioneiros destas técnicas em Portugal. Em 2014 nasceram em Portugal cerca de 80 mil crianças. O médico não deixa de notar que, em Portugal, podiam ser muito mais os bebés nascidos com a ajuda da ciência, que podiam ser pelo menos o dobro, que é a média “de vários países europeus”, e de como as razões que o impedem são “sociais e económicas e não médicas”.

Este livro é percorrido pela história destes dois bebés especiais, a inglesa Louise Brown e o português Carlos Saleiro, mas a razão por que foi escrito é um terceiro bebé, o filho da jornalista, Salvador, que nasceu 18 de Julho de 2007, depois de 15 anos de infertilidade. O percurso da jornalista é a razão por que escreve este livro que cruza o seu lado de mãe de “um filho da ciência” com o de jornalista que escreve diariamente sobre temas de saúde na agência Lusa.

Depois de um primeiro livro sobre a saga das tentativas e fracassos até à gravidez, Tudo por um filho, em 2004 (Publicações Dom Quixote), quis escrever este segundo livro para partilhar muito do que passa pela cabeça de quem conseguiu ter um filho desta forma. Serão estas crianças menos felizes? Mais propensas a ter problemas de saúde? Existe uma forma ideal de lhes contar sobre a sua invulgar origem? Serão os pais com percursos infertilidade mais ansiosos e super-protectores. A Sandra Moutinho passaram-lhe todas estas dúvidas pela cabeça , foi ler o que dizem os estudos e partilha tudo, na primeira pessoa.