A ironia não é, por definição, um sentimento associado ao punk, género dado a aforismos de vernáculo mais directos. Por isso uma editora de street-punk e oi, sub-géneros tipicamente assentes na classe operária, intitulada ZeroWork será como que um momento bem Monty Python na história da contra-cultura nacional.
Sobretudo porque a editora em causa não é uma dessas que, fruto do facilitismo tecnológico do séc. XXI, pululam país fora, algures a meio caminho entre uma netLabel e uma editora de k7s piratas.
A ZeroWork nasceu em 1999, esse misto de referência festiva para os seguidores de Prince e de apocalipse para os adeptos mais fervorosos do ocultismo, numa altura em que as bandas novas se conheciam através de audições atentas e insistentes, na tentativa de minimizar compras precipitadas, quando não fraudulentas. Isto porque então como agora, o dinheiro escasseava, não sendo por isso poucas as horas gastas de pé ao balcão da loja dos comerciantes musicais mais amistosos ou na casa dos amigos mais tolerantes a ouvir os discos de trás para a frente, de fora para dentro até haver a certeza absoluta de que este disco tinha mesmo de ser comprado.
Nada de pirataria massiva portanto, até porque naquela altura um MP3 de 5 megabytes era capaz de demorar tanto a sacar como um filme hoje em dia.
Fruto da mais violenta promiscuidade entre os concertos da ocupa da Praça de Espanha (para sempre conhecida como Casa Enkantada) e a programação do Ritz Club surgiria a inspiração lo-fi da ZeroWork Records. No fundo a sua génese é uma atitude muito pouco portuguesa de arregaçar as mangas porque os seus fundadores estavam fartos de esperar para ver editados os discos das bandas com que mais se identificavam, que nalguns casos eram as suas próprias aventuras musicais.
Assim, Luís Rattus dos famigerados Albert Fish e Zé Proença dos Pó D’escrer estrearam 2000 com um "split" no qual figuravam os históricos do crust nacional Simbiose, ao lado dos eternamente esquecidos Croustibat. Grupo esse que, além de praticantes de um género raro em terras lusas como o é o power-violence, deveriam também ser alvo de curiosidade por estes dias, já que contavam com Bruno Cardoso, também conhecido por Xinobi, nas suas fileiras.
Daí até editarem grupos seminais da cena nacional como os Corrosão Caótica e os Crise Total ou organizarem concertos de grupos charneira internacionais como Casualties ou Varukers foi enquanto um cocainómano esfrega o nariz. Ainda que, fruto da apropriação dos seus símbolos, no novo milénio seja cada vez mais difícil perceber o que quer dizer ser punk, basta uma breve conversa com Rattus para perceber que, não obstante o cabelo grisalho e a orgulhosa barriga de cerveja, o punk não só não morreu como envelheceu graciosamente e com algum charme. Sem, apesar de tudo, comprometer a sua visão contestatária da vida, como se 1977 se renovasse todos os dias.