GRECO recomenda reforço do controlo da corrupção de deputados e magistrados
Ministério Público recusa a ideia de que a fiscalização sobre titulares de cargos políticos e públicos seja ineficaz e diz que tribunais têm aplicado sanções. Mas a Transparência Internacional considera que relatório é revelador das insuficiências.
O Ministério Público recusa a ideia de que a fiscalização sobre os rendimentos dos titulares de cargos políticos e públicos seja “ineficaz”, contrariando o teor de parte do relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa, divulgado esta quarta-feira. Admite, porém, que tem falta de meios e que, se pudesse ter acesso a informação que está sob sigilo bancário, a sua tarefa seria facilitada.
A Procuradoria-Geral da República diz que os tribunais têm aplicado as sanções previstas na lei como a perda de mandato e a inibição temporária do exercício de funções a titulares de cargos públicos que não apresentaram a devida declaração de início, actualização ou cessação de funções, como a lei obriga, junto do Tribunal Constitucional (TC). Em 2014 foi decretada uma perda de mandato, duas demissões/destituições e uma inibição para o exercício do cargo na sequência de processos por omissão culposa de declaração de rendimentos, adiantou a PGR ao PÚBLICO.
O relatório do GRECO, que na sua quarta edição incidiu sobre as profissões de deputados, juízes e procuradores, afirma que a responsabilidade dos deputados em Portugal está "enfraquecida" pela existência de um regime de prevenção de conflitos de interesses "demasiado permissivo". O quadro legislativo sobre prevenção da corrupção é disperso, tem lacunas e por vezes é mesmo incoerente, não havendo um controlo efectivo e em tempo útil.
“A ideia de que o Parlamento, nas suas actividades, se limita a exibir uma transparência de fachada continua fortemente enraizada na opinião pública, dada a ausência de regulamentação que enquadre os contactos dos deputados com terceiros e a insuficiente abertura do processo legislativo à participação de outras partes interessadas”, critica o GRECO, organismo que monitoriza os mecanismos de prevenção e combate à corrupção.
Sublinhando que a corrupção continua a ser encarada "como um problema" pela sociedade, apesar de se ter avançado com legislação e vários instrumentos para dissuadir este tipo de prática, o GRECO recomenda às autoridades que incluam "de forma clara" a prevenção do fenómeno nas suas regulamentações e que reforcem "os poderes, a imparcialidade e a eficácia dos órgãos de controlo".
Os deputados são obrigados a declarar conflitos de interesses, a apresentar declarações de rendimentos e a respeitar um regime de incompatibilidades. O GRECO recorda que pelo menos um terço dos parlamentares conciliam, porém, esta função com actividades de advocacia ou de consultoria.
Os "múltiplos conflitos de interesses" que advêm desta situação, nomeadamente "no quadro das privatizações e nos sectores da banca, da energia, da agricultura e da saúde não são sempre declarados e não são devidamente sancionados", defendem os autores do relatório. Por isso, recomendam a adopção de "princípios e normas claros" e de um "mecanismo de controlo eficaz" para os fazer respeitar.
A aceitação de prendas não está devidamente regulamentada. Quanto à obrigatoriedade de declaração do património, as autoridades devem prever “sanções adequadas” no caso de violação deste princípio e até nos casos em que as declarações se apresentam “incorrectas” ou “incompletas”.
Em suma, é preciso "avaliar a eficácia de todo o sistema de prevenção, divulgação e sanção dos conflitos de interesse na Assembleia da República". Impõe-se a simplificação da declaração, não só dos conflitos de interesses, mas também das incompatibilidades. Quanto ao património dos deputados, devem ser colmatadas várias "lacunas", como "a falta de controlo aprofundado e em tempo útil do mecanismo de divulgação e de verificação", sendo o levantamento da imunidade dos deputados das assembleias legislativas regionais "igualmente desejável".
O Ministério Público garante que “está a procurar cumprir as suas funções de fiscalização/exame das declarações” junto do TC “apesar da escassez de meios” assinalada pelo Greco e desde Julho está a analisar as declarações entregues em 2014 e 2015. Aos cinco magistrados do gabinete do MP junto do TC deverá juntar-se este ano mais um, caso haja dinheiro. Além disso, a PGR admite que “algumas alterações legislativas pontuais possam aumentar a eficácia da intervenção do Ministério Público, designadamente a possibilidade de acesso a informação bancária”.
O PÚBLICO também questionou o gabinete do presidente da Assembleia da República, mas não obteve resposta.
"Ingerências políticas" na nomeação de juízes
Relativamente aos juízes e magistrados do Ministério Público, conclui-se que é preciso ir para além dos princípios gerais que regem o exercício destas funções e que não deve bastar a possibilidade de instauração de processos disciplinares. "No que diz respeito ao aparelho judiciário, a composição dos conselhos responsáveis pelas nomeações e promoções dos juízes (…) torna-o muito vulnerável a ingerências políticas indevidas ", considera o GRECO. "Por outro lado", acrescenta, "a falta de autonomia financeira dos tribunais" cria igualmente "um problema, já que fragiliza o estatuto da magistratura como poder independente e o do Ministério Público enquanto instância autónoma".
Citada pela Lusa, a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal enalteceu a proposta do GRECO de reforço da autonomia financeira dos tribunais e das magistraturas para que o MP, como titular da investigação criminal, tenha a “capacidade de gerir os recursos humanos e materiais”, sem estar na dependência de estruturas ligadas ao Governo.
Tanto para os juízes como para os procuradores, o GRECO recomenda que sejam elaboradas normas deontológicas "claras" e que estas sejam tornadas públicas (abrangendo, por exemplo, as prendas e os conflitos de interesse), normas estas que "servirão de base para a promoção, a avaliação e a acção disciplinar".
Já o presidente da TIAC – Transparência e Integridade, Associação Cívica, Luís de Sousa, olha sem surpresa para estas conclusões. "Ainda que diplomático na forma como apresenta as recomendações", o relatório "é bastante incisivo e revelador de inúmeras carências e disfunções", em "maior grau nos sistemas e procedimentos de controlo e gestão dos conflitos de interesses na esfera política e em menor grau nas duas magistraturas", assinala.