A expressividade de Susana
Susana Santos Silva vai alimentando uma discografia riquíssima, com mais duas parcerias internacionais.
Já bem conhecida como notável trompetista, Susana Santos Silva assumiu-se definitivamente como compositora de excepção com o disco Impermanence, editado no ano passado ao leme do seu quinteto. A trompetista portuense não se ficou por aí, construindo uma discografia riquíssima em tempo record e estando envolvida em várias colaborações com músicos internacionais, em projectos mais exploratórios onde a veia instrumental sobressai.
Com a pianista eslovena Kaja Draksler a trompetista trabalha um duo de trompete e piano, combinação instrumental particularmente dada ao lirismo. Ficámos a conhecer a jovem Draksler recentemente, com o seu disco a solo The Lives of Many Others (edição Clean Feed), que nos revelou uma pianista de natural filiação jazzística e ampla latitude estética, sem medo de evocar a mais pura música clássica ou de se atirar à música exploratória. Neste duo, Draksler e Santos Silva tanto trabalham composições originais como improvisam livremente, numa música que, mesmo nos momentos de exploração sem rede, não esquece a harmonia. Exemplo perfeito da irrepreensível interação da dupla é o tema homónimo, This Love, que revela não só uma alta sofisticação melódica, como também uma elegância aprimorada na forma como se desenvolve o diálogo instrumental.
Em contraste, o tema seguinte, Hymn to the Unknown, promove o confronto: o trompete de Santos Silva tenta esboçar a melodia enquanto Draksler explora os sons bruscos do interior do piano. Sem se limitar a um registo único, o piano de Draksler é vasto e ora navega no classicismo puro, ora arrisca pela turbulência fora. O trompete revela-se aqui particularmente versátil; tanto se mostra quente e meloso, amplificando sentimento, como se exibe áspero, realçando dramatismo. Piano e trompete dialogam, interagem e, sobretudo, equilibram-se. Esta música seduz e provoca, nunca é demasiado fácil, nunca se deixa antecipar. E o resultado é altamente recompensador.
Editado em 2013, o álbum Almost Tomorrow, duo da trompetista portuense com o contrabaixista sueco Torbjörn Zetterberg, assentava numa improvisação aberta onde, apesar da aridez de alguns momentos, a dupla encontrava por vezes o caminho da melodia. Para este If Nothing Else, junta-se agora à dupla luso-sueca o organista Hampus Lindwall, também sueco. Desta vez a aventura musical é ainda mais abstracta, mais radical. Gravado numa igreja em Paris, esta música nada tem de religiosa; é, antes, negra, densa, tenebrosa.
Há um lado atmosférica que encontra paralelo em algum material do catálogo ECM, mas o trio não fica a pairar no ar. O órgão de Lindwall está muito presente, embora por vezes seja quase estático, preenchendo os temas como papel de parede. O contrabaixo de Zetterberg alimenta uma tensão permanente, no pizzicato (tumultuoso) ou no arco (sombrio). As intervenções de Santos Silva, mais breves e reservadas, são também as mais expressivas. Neste contexto, a trompetista trabalha o seu som com particular detalhe, jogando com a acústica da igreja e alcançando uma enorme expressividade instrumental, particularmente notória em contraste com a maior secura dos seus parceiros. O disco encerra com One Note Song, final perfeito de tensão concentrada e minimal.