Morreu Maurice White, a alma dos Earth, Wind & Fire

Para ele o funk não era apenas música. Era uma forma de aceder à felicidade. Morreu o líder de um dos grupos fundamentais dos anos 1970.

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Fundador, compositor, baterista, cantor, o líder, o pregador, a alma do grupo Earth, Wind & Fire, grupo funk que criou alguma da música mais jubilosa alguma vez feita, o americano Maurice White morreu quarta-feira, na sua casa de Los Angeles, aos 74 anos, soube-se na noite desta quinta-feira, através da agência Associated Press. O irmão, Verdine White, também ele membro do grupo, utilizou a página do Facebook para anunciar que Maurice “morreu pacificamente enquanto dormia.”

O músico tinha sintomas da doença de Parkinson desde os anos 1980, o que o levou a desistir de fazer digressões a meio dos anos 1990 enquanto a banda continuou a tocar, com várias formações – o último álbum Now, Then & Forever data de 2013. A sua doença foi tornada pública em 2000, quando o colectivo entrou para o Hall da Fama do Rock & Roll.

O colectivo de funk, soul e R&B constituído por nove membros, que conheceu grande protagonismo principalmente nos anos 1970 e 1980, vendeu mais de 90 milhões de álbuns em todo o mundo. Entre os seus sucessos encontram-se canções como Shining star, Sing a song, September, After love has gone, Boogie wonderland, Serpentine fire, Let’s groove ou a versão de uma canção dos Beatles, Got to get you into my life. O período de maior sucesso da formação começou a desenhar-se em 1975 com o álbum That’s The Way The World e haveria de continuar pelo resto da década.

O seu sucesso é inegável, mas os Earth, Wind & Fire conheceram períodos de alguma incompreensão, nem sempre sendo reconhecidos artisticamente. A sua música é física, espiritual, enlevada, possuída por uma jovialidade popular contagiante. O contrário daquilo que tantas vezes é credibilizado como sendo mais elaborado e estetizante e, no entanto, quantos tentaram e falharam totalmente o objectivo de criar qualquer coisa de semelhante? Na verdade, a alegria irradiante que foram capazes de exalar, de forma tão séria e certeira, é extremamente difícil de alcançar. É verdade que nem tudo o que experimentaram funcionou, mas no seu melhor foram uma das melhores formações funk de sempre, marcados pela visão de Maurice White.

Além dos irmãos White, o grupo contava com o cantor Philip Bailey e com uma distintiva secção de sopros. Mas era verdadeiramente Maurice o seu líder espiritual. Em todas as entrevistas fazia questão de afirmar que a actividade do grupo não era apenas entretenimento. Perseguia um desígnio interior. Acreditava nele. E queria que outros acreditassem com ele. Em 2000, afirmava que o objectivo desde sempre havia sido inspirar as pessoas a acreditarem nelas próprias, a tirarem partido da vida, seguindo as suas ideias. “Acredito que as canções podem tocar as pessoas. Têm esse poder. Essa forma de magia.”

Na música exuberante do grupo, o jazz de fusão, a soul, o gospel, o funk, elementos de rock, mais tarde de disco ou de música africanizada, serviam para estruturar mensagens de positivismo e misticismo. Não é por acaso que as capas dos álbuns são uma mistura de iconografia religiosa, egiptologia e cosmologia.

Em tudo o que faziam existia uma dimensão de celebração colectiva. Os seus espectáculos ao vivo reflectiam-no, com um dispositivo cénico ambicioso, com jogos de luzes psicadélicos, dois bateristas e uma sonoridade dançante, com o falsete de Philip Bailey secundado pelo pregação de Maurice White. Na música e na atitude do grupo não havia espaço para cinismos. Eram desarmantes, na forma como o seu funk épico difundia ideais de esperança e de transcendência.

Paralelamente aos Earth, Wind & Fire, Maurice White, viria a produzir e a compor para outros artistas, principalmente quando se deixou dos concertos, incluindo Cher, Barry Manilow, Barbra Streisand e muitos outros. Co-escreveu e produziu o êxito Best of my love, dos Emotions, para além de também ter lançado um disco a solo.

Nasceu em Memphis, em 1941, filho de um médico e neto de um pianista de Nova Orleães. Estudou música em Chicago e na adolescência começou a tocar bateria com o Ramsey Lewis Trio. Em 1960 formou os Salty Peppers, que depois se mudaram para Los Angeles, onde adoptariam o nome de Earth, Wind & Fire, lançando o álbum homónimo de estreia em 1971. Ao longo dos anos teve um papel fulcral na carreira de décadas do grupo, com mais de 20 álbuns lançados, compondo e produzindo obras fundamentais para se perceber parte importante da história do funk como That’s The Way Of The World (1975), All ‘N All (1977) ou Faces (1980)

Manteve-se sempre firme na forma límpida como olhava para a música, quase como se ela tivesse poderes curativos, e através dela fosse possível percepcionar a realidade de uma forma mais positiva. Talvez tivesse razão.

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