Milhares fogem de Alepo e da "batalha decisiva" entre o regime e os rebeldes
Intensificação dos combates está a gerar novo êxodo de refugiados para a Turquia. Escalada militar levou à suspensão temporária do processo negocial em Genebra.
Anunciada há dias, a “batalha decisiva” por Alepo, está já às portas da maior cidade da Síria, de onde milhares de pessoas procuram escapar da violência e destruição, perante a impotência da comunidade internacional. O avanço das forças do Exército sírio sobre Alepo, com a aviação russa a abrir caminho, deitou por terra o primeiro esforço negocial para pôr fim ao conflito encetado nos últimos dois anos. E ameaça aprofundar a crise nas fronteiras da Europa com uma nova vaga de refugiados.
Em Genebra, para onde viajaram delegações do Governo do Presidente Bashar al-Assad e da coligação de opositores ao seu regime, o enviado especial das Nações Unidas, Staffan de Mistura, viu-se forçado a suspender “temporariamente” o processo: nenhuma das equipas de negociadores chegou sequer a reconhecer a legitimidade dos seus interlocutores, recusando-se a sentar-se à mesma mesa.
Apesar de já quase ninguém alimentar grandes esperanças que as conversas na Suíça possam finalmente desbloquear o processo político consagrado pela resolução 2254 do Conselho de Segurança, o mediador da ONU recusou-se a atirar a toalha ao chão. E mesmo sem a confirmação das delegações, Staffan de Mistura anunciou a retoma das conversas dentro de três semanas: uma eternidade tendo em conta os rápidos desenvolvimentos no terreno.
Nos três dias de impasse negocial em Genebra, as tropas do regime conseguiram marchar até aos arredores de Alepo e interromper a principal linha de abastecimento dos rebeldes. A cidade é um ponto estratégico para o Governo e a oposição, e marca uma espécie de linha invisível entre o país que ainda obedece a Bashar al-Assad e o território perdido, tanto para as forças do chamado Exército Livre da Síria (que conta com o apoio dos aliados ocidentais) como para os militantes extremistas do Estado Islâmico ou da Al-Qaeda.
Nesse tempo, os comandantes rebeldes denunciaram uma significativa escalada dos ataques aéreos, que ultrapassaram largamente a média de uma centena por dia, e lançaram um apelo urgente aos seus aliados, que “prometeram reforços”. “Não sabemos que tipo de apoio vai chegar, mas não podemos esperar mais”, desabafou um comandante rebelde citado pela Reuters. O ministério da Defesa russa confirmou que, desde o início da semana, os seus aviões realizaram 237 missões em território sírio, nas quais atingiram 875 alvos nas províncias de Alepo, Latakia, Homs, Hama e Deir-al-Zor.
Em declarações à agência britânica, fonte do Exército sírio calculou para breve o “cerco total” a Alepo: as forças governamentais já furaram as linhas de defesa a Noroeste, recuperando o controlo de duas localidades xiitas leais a Assad que tinham sido “perdidas” para os rebeldes há mais de três anos. Imagens transmitidas pela estação al-Manar TV, ligada ao Hezbollah, mostravam o júbilo dos habitantes de Nubul e al-Zahraa com a chegada das tropas sírias.
A oposição disse que só aceitaria negociar mediante o fim dos bombardeamentos aéreos e o cerco governamental a localidades sob controlo rebelde, e onde dezenas de pessoas já morreram por malnutrição e falta de assistência médica. Mas as medidas humanitárias exigidas pela oposição foram negadas por Damasco, para quem as “pré-condições” representavam “concessões” inaceitáveis – o regime sírio não só ganha tempo para endurecer a sua ofensiva militar, como desgasta politicamente a frágil coligação anti-governamental, onde os grupos laicos e moderados perdem influência para os fundamentalistas.
A intensificação dos combates em torno de Alepo está a provocar um novo êxodo populacional, com dezenas de milhares de sírios a fugir em direcção à fronteira com a Turquia (a 50 quilómetros de distância) para escapar às bombas. “Temos 10 mil refugiados em Kilis à espera de passar a fronteira; temos 60 a 70 mil pessoas nos campos a Norte de Alepo em movimento e temos 300 mil habitantes na cidade preparados para deixar tudo para trás por causa dos bombardeamentos e assalto militar”, informou o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, à chegada a uma conferência de doadores, em Londres.
Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, desde que a aviação russa iniciou a sua campanha aérea na Síria, em Setembro, já foram mortos mais de 1400 civis que nada têm a ver com os grupos extremistas que Moscovo disse serem o seu alvo. Esta quinta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, garantiu que os bombardeamentos não vão parar “enquanto não forem derrotadas todas as organizações terroristas, como a Frente Al-Nusra”.
Entretanto, o ministério da Defesa russo disse ter dado conta de movimentações das forças armadas da Turquia, que sugerem que Ancara estará a preparar-se para intervir militarmente na Síria. “Registamos um número crescente de sinais que apontam para a preparação, em segredo, de acções militares [turcas] em território sírio”, afirmou o porta-voz da Defesa, Igor Konashenkov, acrescentando que essa poderá ser a explicação para a recusa de Ancara em autorizar a realização de voos de observação. “Vemos estas decisões como um precedente perigoso e uma tentativa de esconder actividades militares ilegais junto à fronteira síria”, explicou.
O apoio aéreo da Rússia, bem como a chegada ao território de brigadas do Hezbollah e outros grupos combatentes financiados pelo Irão, permitiram ao depauperado Exército de Assad consolidar os seus bastiões na região Oeste do país e recuperar terreno, partindo para a ofensiva no Norte e Leste do país, onde estão instalados os grupos de oposição e as milícias curdas, mas também os jihadistas que aproveitaram o caos na Síria para expandir a sua presença.
Ao fim de cinco anos de guerra, o país converteu-se no tabuleiro de xadrez onde se movimentam os dois blocos envolvidos numa nova “guerra fria” política e religiosa: os xiitas representados pelo Irão, e os sunitas liderados pela Arábia Saudita. No conflito sírio, Teerão sustenta a permanência de Assad enquanto Riad, com a cooperação da Turquia e dos Estados Unidos, ampara e patrocina a oposição.