Ampliação de restaurantes na frente ribeirinha de Belém foi embargada
Último projecto apresentado pelo promotor volta a ter uma ponte em forma de golfinho. Decisões da câmara contrariam alternativa aprovada pelos seus serviços. Explicações de Salgado contrariam condições impostas pelos mesmos serviços.
A polémica obra de ampliação dos antigos restaurantes BBC e Piazza di Mare, na frente ribeirinha de Belém, foi embargada pela Câmara de Lisboa “por incumprimento do que está no projecto”. Às 18h30 desta quarta-feira, porém, ainda estavam a trabalhar na obra, à luz de projectores, meia dúzia de operários ocupados na montagem de cofragens.
O anúncio do embargo foi feito por volta das 16h30, pelo vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, que respondia a perguntas do PCP, durante uma reunião pública do executivo camarário. Já no fim da reunião, o autarca disse aos jornalistas que o embargo foi determinado na sexta-feira e que se aplica a toda a obra, pelo que não era admissível que houvesse trabalhos em curso. “Vou ser implacável, como sempre que há situações destas”, garantiu.
Na quarta-feira da semana passada, o PÚBLICO noticiou as aparentes discrepâncias entre o projecto aprovado e a obra em curso, dando conta de que a sua dimensão tem surpreendido quem por lá passa. Na véspera, a autarquia informara que o requerente “foi convidado a apresentar as alterações introduzidas para serem apreciadas, sob pena de embargo da obra”.
Nessa altura, os serviços do vereador do Urbanismo acrescentaram, por escrito, que não havia qualquer aumento da superfície de pavimento, pelo contrário, havia “diminuição”. Os incumprimentos dos projectos, garantiram, verificavam-se “apenas no que concerne à altura de caixa do elevador do edifício”.
Esta quarta-feira, Manuel Salgado afirmou que o Plano Director Municipal estabelece para o local “uma altura máxima” de “dez metros”. Segundo disse, uma vistoria feita pela câmara permitiu concluir que “um dos edifícios está com 10,4 metros e noutro a caixa do elevador subiu 1,1 metros” acima do permitido. Além disso, notou, “foi acrescentada parte de um piso em cave”. Face a isso, anunciou que “a obra foi embargada por incumprimento do que está no projecto”.
Também suscitada pelo vereador Carlos Moura foi a questão das árvores existentes junto àqueles dois edifícios. Como o PÚBLICO noticiou, reportando-se a informações dadas pelo assessor de imprensa do vereador José Sá Fernandes, a autarquia já autorizou o abate de dez exemplares “com problemas fitossanitários”. De acordo com a mesma fonte, outras seis árvores serão podadas, ficando onde estão apenas aquelas que “não interferirem com a obra”. Estas últimas serão deslocadas.
Carlos Moura deu conta da sua estranheza com a informação de que haveria no local árvores com problemas fitossanitários, considerando curioso que eles não tivessem sido identificados aquando da discussão do projecto de arquitectura. “Repentinamente as árvores passaram a padecer de doença súbita”, comentou.
Na resposta, Manuel Salgado disse que também desconhecia a situação das árvores, acrescentando que procurou obter explicações sobre o assunto junto do director municipal responsável. “Há efectivamente árvores doentes”, disse o vereador, sem indicar um número. Além disso, informou que “três árvores ficaram danificadas nas raízes durante a montagem do estaleiro”. “Dei ordem para que fosse imputada uma coima ao empreiteiro”, assegurou.
Segundo o autarca, há outras “três ou quatro árvores” que “têm que ser plantadas noutro local porque colidem com um passadiço de madeira que foi aprovado”. “Acho estranho”, confessou, admitindo que não se apercebeu disso quando estudou o projecto que a câmara aprovou.
Ninguém se entende
As declarações de Salgado sobre a necessidade de transplantar algumas árvores por “colidirem” com o passadiço aprovado para ligar os dois edifícios coincidem com o sentido da informação do gabinete de Sá Fernandes. Mas colidem frontalmente com o que está aprovado no processo da obra desde Julho passado.
Na sequência da controvérsia causada pelo facto de o projecto prever a ligação dos edifícios através de uma estrutura aérea com a forma de golfinho, Manuel Salgado retirou a proposta de aprovação de licenciamento da obra da reunião de câmara de 13 de Maio do ano passado e os processos regressaram aos serviços.
Dois meses depois, a 6 de Julho, o director municipal de Urbanismo, Jorge Catarino, emitiu um despacho em que rejeita o golfinho e aprova uma alternativa entretanto apresentada pelo promotor (grupo hoteleiro Azinor/Sana). A nova proposta consistia num simples “passadiço sem qualquer elemento escultórico” a envolvê-lo. A aprovação tinha, contudo, uma condição: o passadiço teria de ser “relocalizado”, relativamente ao sítio proposto, “por forma a não colidir com as árvores existentes”.
Essa condição foi mesmo inscrita em todas peças desenhadas do projecto, através de um carimbo dos serviços camarários em que se lê: “condicionado à rectificação do passadiço conforme (...) despacho a folhas 213”. Ora o despacho da folha 213 é aquele em que Jorge Catarino aprova o passadiço. Desde que ele seja relocalizado para não obrigar ao corte das árvores.
Precisamente o contrário do que agora diz Manuel Salgado.
Mais inexplicável é, todavia, o facto de a proposta finalmente aprovada na reunião câmara do dia 15 de Julho, com os votos contra do PCP e as abstenções do PSD e do CDS, ser exactamente a mesma que tinha sido retirada em 13 de Maio. Ou seja: o que o executivo camarário aprovou, e continua aprovado, foi a ligação pelo golfinho e não o passadiço.
Talvez por isso mesmo, o projecto de arranjos exteriores entregue em Novembro pelo promotor, e ainda em apreciação, volta ao golfinho e esquece o passadiço.
Numa informação do dia 5 deste mês, as técnicas camarárias que o apreciaram sublinham que ele “não está em conformidade com o projecto [de arquitectura] aprovado”, nomeadamente por contemplar o golfinho que “não foi aceite, de acordo com o despacho do arq. Jorge Catarino (...) constante de fls 213”.
E isso mesmo confirmou o próprio Jorge Catarino, no dia 11. “Relativamente ao “golfinho” mantém-se a decisão da CML de execução de uma passagem simples”, despachou o director municipal. O problema é que a deliberação camarária aprovou mesmo o golfinho.
A ATL é que decidiu
Problemática desde o início, a demolição parcial e a ampliação dos dois restaurantes nasceu de uma confusão de papéis que parece longe de estar resolvida. A gestão daqueles edifícios e de muitos outros situados na frente ribeirinha, que tinha passado da Administração do Porto de Lisboa para o município, foi entregue pela câmara à Associação de Turismo de Lisboa (ATL) em 2012. Pelo menos aparentemente, contudo, ninguém sabe quem é que manda em quê.
Os projectos de arquitectura relativos às obras destes restaurantes foram entregues pelo promotor à ATL e de lá seguiram para a câmara com todas as peças carimbadas por esta associação. Daí que os técnicos camarários tenham considerado que a ATL “já os terá viabilizado”.
Num despacho de Abril passado em que propõe a aprovação da obra, e que teve depois a concordância de Jorge Catarino e de Manuel Salgado, o chefe da Divisão de Projectos Estruturantes escreve o seguinte: “Verificando-se que se encontra incluso no presente processo uma colecção do projecto de arquitectura chancelada pela ATL considera-se que esta entidade aprovou a solução preconizada. Assim sendo propõe-se a aprovação do presente processo (...).”
A ATL é uma associação privada que junta a câmara de Lisboa e numerosas empresas, nomeadamente do sector hoteleiro, e que é presidida, por inerência, pelo presidente da Câmara de Lisboa.